sexta-feira, dezembro 31, 2010

Palavra.

Todos nós vamos cair um dia, não se sabe quando nem como, porém é fato que a queda é inevitável, assim como a chuva, o que muda a intensidade dos pingos é o vento e não a nuvem em si. Estava enjoado de si, naquele mês não faria nada, breve descanso para seu corpo, a barba já lhe cobria toda a face e não trabalharia de Noel, não trabalharia naquele mês afinal.
Se por um tempo estava certo de suas ações e consequências, esses últimos dias só serviram para ele perceber que esteve errado a maior parte de sua vida, tudo bem pensou rapidamente frente ao marasmo do fim de tarde.
Agora de fato sentia um desafio à sua frente, pensava tanto naquilo que suas noites eram facilmente consumidas sem que notasse, programas iam e vinha na televisão e ele nem se dava ao trabalho de olhar para eles, seus olhos estavam longe, nela para ser extremamente exato.
A distância era um forte incômodo sim, para ele, para os dois talvez não fosse, talvez, ele sabia dar valor as saudades, simplesmente sem ela não saberia como agir, o tempo é necessário para que a poeira se abaixe e com ela venha sentimentos que talvez não estivessem claros a uma primeira instância. Se ali notasse que efetivamente sentia uma falta dela, algo que por parte dele não pudesse ser preenchido, tampouco por outras, sabia que devia uma satisfação especial, e mesmo sem comunicar isso, fazia aquele pensamento estar grande parte do tempo com ela, imaginava e vivia situações dela com ou sem sua companhia, impressionante como nunca conseguia prever como ela responderia, mesmo os olhares, trejeitos e ações, tinha apenas uma palavra pra descrevê-la surpreendente.
E enquanto continuasse errando continuaria encantado, e por outro lado assustado por talvez não ser assim também, ser só alguém previsível e nulo, importante mesmo era não pensar tanto nessa segunda parte e gastar esse tempo pensando em maneiras agradáveis de evitar que isso aconteça.

sexta-feira, dezembro 17, 2010

Ator.

Impressionante, com toda postura ele ainda tremia frente aquelas situações, não precisava estar perto dela para não saber como lidar corretamente, como se existisse uma maneira correta de lidar com ela.
E fazia de tudo para transparecer tranqüilidade, e até certo ponto tinha sucesso nisso, ninguém duvidava dele a não ser ela, justo quem conseguia desmascará-lo apenas com um olhar, uma mordiscada no lábio ou qualquer outro trejeito característico que ele admirava tanto, muitas vezes nem precisava emitir nenhum signo e ele já entregava todos os pontos, seguia fielmente seu coração.
Ao passar dos anos sempre achou que essa sensação passaria, aquele pequeno tremor no lado esquerdo do peito nunca lhe abandonava quando ela estava presente, outras mulheres não chegavam nem perto daquilo, por muito tempo se perguntou se o problema estivesse com ele, após algum tempo já não tinha dúvidas que certamente era um problema próprio dele e os batimentos seletivos, e não conseguia abrir mão deste sentimento tão facilmente assim. Logicamente que podia viver tranquilamente sem  nenhuma emoção dessa, transparecer assim já era um início.
Felizmente nunca teve a pretensão de ser ator, sabia que a distância dela era inversamente proporcional aos seus batimentos, e nos últimos dias como tremia pelo corpo inteiro, um alegre taquicardia que por hora não precisava de nenhum tipo de tratamento.

quarta-feira, dezembro 08, 2010

Acalanto.

Fim de ciclos geralmente são dolorosos e refrescantes, a música nunca acabava essa era a verdade, ritmos e melodias que permeavam pelo cômodo, mudavam de minuto a minuto.
A verdade é que sem ser sentimental demais, sem ela ele não era ninguém, tão simples quanto a necessidade de um abraço, tão simples quanto Vinícius escrevera a tanto tempo atrás. O problema era pateticamente óbvio e mesmo assim sofria tanto com isso. A definição de sofrimento neste caso era única, pra variar esse sentimento era próprio e bom, diferentemente de todos, sabia que a vida em si era uma ilusão, e de quê adiantava toda essa melancolia sem dia para terminar, isso em si gerava por um lado alegria e por outro um grande aperto no peito, tudo na esperança de um sorriso dela.
Fatalmente errava, e como era bom nisso, apostas e atitudes erradas, tentava em vão esconder seu tormento, aquela mulher tão maravilhosa aos olhos dele mal sabia o carinho que ele tinha com ela. Com os demais, era a mesma pessoa desinteressante de sempre, velhas piadas sem graça, mesmos trejeitos, mesmas faces, um dos piores medos talvez fosse que pra ela transparecesse essa mesma imagem desinteressante, a qual não parece perceber que o tempo passa e com ele as pessoas também, fica a máxima, ninguém nunca esteve no mesmo rio duas vezes.
A vida só realmente existe para aqueles que se amaram, mesmo o amor não realizado é melhor que a eterna solidão, o que restaria além disso? Ele apaziguava tudo com um violão de lado, uma música qualquer, sem ideologias, verdades ou fatos, pedaços de arte por si só. Mais do que simples barulho, acalantos formados em minutos e esquecidos minutos depois, seu desapego era totalmente aceitável com isso, não largava nada fácil, por mais que o contrário fosse seu lado mais aparente para todos os outros.
Mentia tanto por fora que mal sabia quem era por dentro, sua cabeça doía quase que diariamente e a fome já era mais que uma companheira, abominava ela mas jurava não poder fazer nada contra a mesma, antes mal acompanhado do que só. Claro que essa última frase só fazia sentido contra a fome.

domingo, dezembro 05, 2010

Árvore.

Chuva interminável, sem pretensão de sair de casa naquela noite, naqueles dias em geral, todos os casacos molhados, e o guarda-chuva continuava fechado e inutilizado.
O seu marasmo emocional tinha feito as malas e tinha viajado para longe sem previsão de volta, “enfim” pensava consigo mesmo.
A janela aberta deixava mais do que gotas entrarem em sua casa, pelo menos era vida entrando naquele recinto, mesmo que fosse simplesmente água ali, esplêndida a sensação de frieza que ela adicionava ao local, deixou a mão sentindo os pingos por alguns minutos, logo após enxugou as mãos e se dirigiu a cama, como se fosse fácil.
Naquela noite o dia insistia em nascer rápido, mal havia deitado e podia escutar o barulho dos carros saindo pelas garagens para as ruas, tentava evitar isso com um travesseiro sobre sua face, a claridade também atrapalhava, mas com ela estava acostumado, até gostava de como incomodava suas pálpebra. Ao ponto que não sabia se estava acordado ou dormindo, não se importava, era domingo, podia simplesmente abrir mão daquele dia mesmo.
Sentia-se num deserto, diferente do que todos imaginam, ali tinha vida, por mais improvável que fosse no meio da imensidão de vazio e areia crescia sentimento, ficava claro que alguma vez choveu ali também, nada floresce sem estímulo pensava consigo mesmo, provavelmente estivesse errado, mas mesmo assim ali ele árvore seguia confiante em suas ilusões, pra Ténéré nenhuma botar defeito.

sábado, novembro 20, 2010

Cor.

Agora que todas as máscaras caíram por terra, o que mais sobrou dos dois? Ninguém arriscava algum palpite, tampouco os dois, ou melhor, diziam que nem pensavam nisso. Claro que ele falava da boca pra fora, não era simplesmente tão frio a ponto de não pensar nas consequências de tudo que estava fazendo.
Era horrível, um peso contraditório, de um lado tinha tudo que queria, mas com isso vinha a toda milhares de sentimentos e medos que não contava ao longo do tempo, o medo voltou a ser uma constante em sua vida, e como isso era bom.
Fingir que não tinha as cicatrizes do passado, e todas as dores tinham saído de seu corpo não era fácil, elas permaneciam ali, não entrariam em evidência em hora nenhuma, normal pensava consigo, até porquê não tinha mais o que falar, tudo que precisava ser dito tinha sido, mesmo assim memórias não se esvaem tão rápido quanto os copos de cerveja que aleatoriamente regavam seus fins de semana.
Não tinham mais uma música em comum, mas todo uma infindável quantidade de álbuns a ser explorados, shuffle talvez não fosse a melhor escolha para todos, pra eles talvez fosse a única certeza, melhor dizer talvez com certeza do que ter uma máxima incerta.
Era claro que não era só isso que aproximava os dois, a única mentira que contava pra ela era quando dizia que não sabia o que ela tinha de especial, sabia de cor e podia passar horas enumerando suas qualidades, só não queria deixá-la tão convencida disso e que fosse procurar alguém melhor para si mesmo do que ele.

quarta-feira, novembro 03, 2010

Xícara.

O chocolate continuava a esfriar na caneca, não que ele estivesse quente antes, só uma constatação óbvia visto que o frio ainda reinava nesta época do ano. Claro que assim seria melhor, de quente bastava sua cabeça naquela casa, tantos pensamentos borbulhando ali, se esqueceu da xícara por alguns instantes, claro que pensava nela.
Ao olhar pela janela, as ruas continuavam iguais, a cidade era a mesma e no entanto ele ainda olhava para ela com olhos de desconhecido, sorria para cada esquina, piscava a cada semáforo e achava sensacional, tinha medo que isso pudesse acabar um dia mas não estragaria sua visão temendo algo que não fosse bom.
Ao voltar para a mesa, o chocolate repousava tranquilamente dentro da xícara transparente, ao dar o primeiro gole a satisfação chegou dentro de seu corpo, não se considerava muito sensato, mas estava realmente bem. Uma vez que suas preocupações somente lhe diziam respeito, não tinha tempo para muitas coisas, claro que pra algumas delas sempre tinha tempo, por mais que os prazos se empilhem uns acima dos outros, sorrisos ainda valiam mais do que a razão.
As contas se acumulavam encima do sofá, tudo bem, ninguém sentava lá a muito tempo mesmo, nunca se importou como estava dentro de casa, o único atrativo, além da cama óbvio, eram as janelas. 
Quanto mais os carros passavam, se importava mais com a cidade do que com a possibilidade de seus cabelos ficarem brancos, não se achava altruísta, talvez fosse apenas um egoísta gente fina, talvez.

quinta-feira, outubro 21, 2010

Apreço.

O importante é ter sempre o que falar, mesmo que nada seja dito, puxou de lado aquela velha agenda, inteiramente rabiscada não só por ele, mas se fossem necessários créditos a maioria do tempo seria preenchido com seu nome em letras garrafais maiúsculas brancas sem serifas em meio ao fundo preto animador de qualquer créditos de cinemas.
Já na contra capa a rotina inteiramente detalhada, linhas retas propositalmente torta já que foram feitas sem réguas dão um ar casual para o documento, sim era um documento, nele podia não estar escrito nada mais que as obrigações diárias em um período de tempo, mas cada traçado continha uma história, uma lembrança, uma emoção diferente. Claro que com o passar dos anos não conseguia se lembrar de todas no mesmo instante, porém após um tempo fitando as páginas sabia exatamente o que sentia no momento da ação, sim pra isso o dia no canto de cada página não servia para nada, só um enfeite, ou talvez só para que aquilo pudesse se chamar agenda.
Não escreveu ali nada mais que o óbvio, compromissos e telefones, a graça não estava nisso, e sim nos desenhos e rabiscos de desespero, não contou, mas provavelmente estavam em maior número. Desde de linhas retas perpendiculares que podia ser simplesmente a chuva ou qualquer outra coisa, e só ele sabia, não costumava achar graça em uma verdade velada, mas naquele caso era tão íntimo e pessoal que sentia um certo charme, aquele bloco velho de folhas guardado com apreço em sua gaveta passava desapercebido para um qualquer outro que viesse a ler, mesmo os mais chegados.
Explicaria isso algum dia a alguém? Provavelmente não, primeiro que ninguém se importaria, segundo que mesmo que se importasse, valeria perder algo tão íntimo para outra pessoa, talvez sim, já o sentido, deixa ele pra mais tarde.

terça-feira, outubro 05, 2010

Vírgula.

Passam anos, e ele ainda parece o mesmo garoto, comete erros similares, se entrega fácil as mesmas pessoas, solta o que não devia e não fala quando necessário, até quando continuaria imaturo desta maneira?
Por mais ridículo que pareça se dava melhor com algumas pessoas em determinadas épocas do ano, em certos meses sabia que mesmo sem fazer nada eventualmente se daria bem com aquela pessoa, ao conhecer pessoas novas sentia que talvez essas também podiam se adequar a esse espectro. Pensava isso em seu banho matinal, foi quando se deu conta, que bobagem.
Desligou o chuveiro alcançou a toalha e enxugou o rosto, saiu dali como sempre, muitos pensamentos nenhuma ação, aquele sábado seria diferente, não diria mais não as pessoas, contanto que ficasse claro que também não correria atrás de ninguém e claro que essa parte de não dizer o não ficaria consigo também.
Colocou aquela mesma calça jeans de sempre, não era a mais velha tampouco a mais nova, a barra beirava o chão e por isso estava desfiada, claro que não se importava. Quase derrubou a xícara e derramou um pouco de chá por entre os dedos, estava quente como de costume, suspirou um pouco mas a dor foi passageira, pelo relógio já eram quase dez e meia da manhã, o sol custava a brilhar e a cidade continuava cinza, nada mal pensou consigo mesmo.
Nada de sair as ruas, aquele dia era somente seu, escolheu dentre seus vídeos um show qualquer de uma banda qual sabia todas as músicas, deixou tocar, e da maneira que estava, voltou à cama, fechou os olhos, e acompanhou cada vírgula da música, se o perguntassem se queria sair dali, relutaria veementemente simplemente bocejando solitário: “Quero que haja sempre uma cerveja em sua mão, e que esteja ao seu lado, seu grande amor”.

sexta-feira, setembro 17, 2010

Conta.

“Não são todas as vezes que penso em você que perco o sono, mas toda vez que perco o sono penso em você”.
Só escreveria aquilo na carta, achava estranho tanto papel para pouco o texto, de outra forma também achava estranho pouco papel para tanto sentimento num envelope amassado entregue por um terceiro.
Não achava legal falar isso pessoalmente, não dava tempo pra ela reagir, ficaria com uma expressão na cara estranha achando que teria que dar uma resposta rápida, ou no mínimo um parecer sobre a situação porque no fim das contas ela não tinha nada a ver com isso. Sim infelizmente era um problema exclusivo seu, claro que ela possuía um pouco de compaixão, não suportava ver que talvez ele ainda tivesse algum pensamento nela, talvez o amor tinha passado mas o sentimento ainda era grande, carinho e afeto não iam embora assim de uma vez.
Lá fora silêncio, de vez em quando era possível escutar um pequeno barulho de sirene, bem distante, nunca era um bom sinal, as luzes piscantes, o som, a velocidade todos alinhados em ajudar a sociedade, por alguns momentos cogitou se uma dessas ambulâncias poderia pegá-lo em casa e resolver tudo, ah se fosse fácil curarem essa ferida, não estava exposta piorava a situação ainda mais, se livrou desses pensamentos com um sorriso bobo e voltou a fitar o envelope, sentiu que não podia enviá-lo, saber que atrapalharia a vida dela de certa forma não era correto.
Por fim achou mais sensato datar, envelopar e guardá-lo, assim quando ele mudasse de ideia ou se ela um dia pudesse ler o papel saberia que naquela quarta não tinha dormido por ela, como se importasse a soma das noites não dormidas para ela, ele tinha perdido a conta.

terça-feira, setembro 14, 2010

Magnitude.

O disco começava mais uma vez a tocar a mesma música, não fazia menção nenhum em trocá-lo, ela gostava tanto daquele som, mesmo não estando ali com ele a trilha continuava.
Parou um instante pra pensar a quanto tempo o mesmo som estava lá, a mais de dois anos, diferente das outras não tinha poucas lembranças físicas consigo, como roupas, brincos e outras coisas, não que colecionasse isso ou gostasse, mas marcavam, ela simplesmente marcava pelo gosto, não só por isso, claro que o sorriso impecável aliada a simplicidade e inteligência não passavam batidos por sua memória. Uma mistura de qualidades e defeitos impressionantes ou como preferia descrever apaixonantes. Gostava de lembrar de Vinícius e Baden, de nada adianta amar uma mulher linda, sem complexos, dúvidas, tristezas, que chora e sente saudade, assim como ele, que de nada sabe efetivamente, o que seria o certo e errado passavam longe de sua racionalidade, ainda não era possível chamá-lo de passional, mas evidentemente cometia momentos dessa magnitude.
A tristeza tinha que ser inerente de todas as relações, simplesmente acabava com todas as que não continham esse fator em questão de dias, um certo medo, aquela sensação de posse nunca pode realmente existir, saber que tem que conquistar a cada dia, e amar de uma maneira diferente a cada olhar. Não enganava ninguém quando sabia que as coisas não iam desta maneira, carinho e perdão não deviam andar de mãos dadas mas pelo menos devia morar ambos na mesma rua.
O problema das pessoas não era falar demais, nem pensar somente em suas próprias futilidades, a verdade é que mais disso devia ocorrer, ver simplesmente o que faz bem pra si e ela e depois, leia nunca, ver o que faz bem para os outros que permaneçam fora dessa relação, entre os abraços, beijos e até mesmo no sexo o bem estar deveria reinar sempre, era culpado em alegar tudo isso e saber que em certas partes do seu passado esqueceu e negligenciou essas máximas que ele mesmo tinha proposto, não se desesperava também, lembrava de um trecho de livro que sempre o fazia sorrir, “Vai ver você tem Alzheimer e não lembrava”

quinta-feira, setembro 09, 2010

Epitáfio.

Ter o que falar é sempre um acontecimento, na maioria dos dias simplesmente guarda tudo para si, e raramente escrevia alguns pensamentos naquele caderno à deriva. Simples dizer que lhe ocorriam idéias a cada minuto e na mesma velocidade e surpresa que lhe ocorriam elas iam embora sem se despedir.
Fantasticamente adotava novos rumos, algumas metas adiadas de outros rumos tomados meses atrás, lógico que no balanço nem tudo era alcançado tampouco lembrado, mas essas pequenas brincadeiras consigo mesmo implicam vontades que ele sente que alguém queria para ele, não tinha mais ninguém ao seu lado, e por várias vezes se perdia, barba imensa, cabelo desarrumado, nenhuma refeição por dia.
Era espetacular a forma que se renovava, não se permitia continuar igual, por mais que fosse metódico com muitas coisas de seu ontem nunca deixava que isso afetasse qualquer possibilidade de um novo hoje, referências continuavam as mesmas, porém ao longo do processo se revestia de novidades, lia diariamente, podia facilmente conversar sobre economia ou fofocas. Mesmo que não prestasse atenção o televisor continuava ligado, achava que por algum modo um tipo de osmose fosse absorver toda a informação presente no aposento.
Não era convencido, pelo contrário se menosprezava, achava que poderia ser no mínimo alguém melhor, pelos corredores ficava fácil notar isso, raramente era lembrado, podia não fazer falta mas efetivamente fazia a diferença.
Procurava não ter buracos em seu passado, mas era inevitável passar por uma vida sem deixar rasgos, o fim não sabia ao certo quando seria, e se efetivamente existia um fim, no maior de seus âmbitos tinha um desejo simples, não ter sido um problema pra ninguém, queria que em seu epitáfio pudesse estar escrito apenas “boas manhãs, noites melhores ainda”.
Seu coração andava mais perdido que a razão, no que via sentido não via amor e vice versa, o bom se é que se pode dizer que exista um lado positivo nisso é que era fácil mascarar todos esses sentimentos, um telefonema não atendido, uma carta não enviada, um encontro não marcado, impressionante como uma simples palavra muda toda a vida de um homem.

quarta-feira, setembro 01, 2010

Sensato.

A verdade é que era péssimo com algumas coisas, declarações e despedidas para ser mais exato, não conseguia fazer nenhuma dessas duas bem. E mesmo se preparando para qualquer uma dessas duas não conseguia nada que julgasse adequado.
O problema das declarações eram óbvios e visíveis, impressionante como sempre escolhia a pior hora para fazê-los, por isso suas declarações era fortemente lembradas ao longo do anos, era direto, simples e por isso eram tão pesadas, não falava sempre, se tinha se declarado mais de cinco vezes em toda sua vida já considerava um número alto, e provavelmente nunca tinha passado desse número mesmo.
Contudo o problema maior residia em outro lugar, as despedidas, não sabia largar, dizia adeus olhando pra trás, e sabia que continuaria fixamente olhando. As pessoas mudavam, vivenciavam experiências novas, ele também, mesmo sem querer entrar nesse emaranhado de emoções. Cautelosamente aceitava as palavras delas e passivamente esboçava algum tipo de reação, por isso sempre se mostrava ineficaz, por dentro sentia vontade de expurgar seu orgulho, e por fora conseguia de certa forma demonstrar isso, claro que no âmbito do desespero isso era a único procedimento que realizava e sim, era claro para si que isso não era o bastante.
Pobre solitário esperava por meses um momento de sonho no qual ela se lembraria dele, entraria em contato, cartas, telefonemas e qualquer outra maneira fria advinda do século XXI, mas nada.
Era de se admirar a quantidade de tempo que gastava de seu dia pensando nela, racionalmente inventava diálogos, previa situações que nunca aconteceria, escrevia tantos textos sobre que ela que cadernos se empilhava pela casa e podia ser usado como bancos. Por mais duro que fosse era sensato talvez ela nunca lesse tudo e se o fizesse provavelmente nunca daria o reconhecimento válido por isso, quem seria o responsável por uma regulamentar essa validade, ninguém, para si não perdia seu tempo fazendo, pelo contrário era mais que um passatempo, era a parte de seu dia que ele encontrava ela, e ali naquele espaço de tempo nada nem ninguém interrompia o encontro. Nem mesmo o tempo.

quinta-feira, agosto 19, 2010

Sol.

Definitivamente precisava de mais alguém embaixo de seu edredom, os dias não estavam tão frios assim, ele estava. Em menos de cinco meses mais de dez erros, e sabia enumerá-los um a um, e nessa levada sabia que simplesmente não seria feliz, tinha certeza também que não estava triste, enfim queria mais.
Olha ai, outro dia nasce, novas esperanças são geradas a cada gole de café quente e se esvaem mais rápido que a fumaça se desfaz no ar frio e cortante das manhãs de julho. Continuava desempregado, e não era só na carreira profissional que ninguém o queria, ou melhor quem queria não era nada perto do esperava e queria, ficava claro que não era exigente, mas não perdia tempo com o que não lhe caia bem, e isso era uma verdade irrefutável.
Tinha ídolos em quase todas as áreas, menos no amor, não sabia destacar um bom nome, real ou fictício continuava complicado para si, nem mesmo um poeta conseguia descrever aquela palavra, se era o caminho ou a perdição, o resultado da vida ou uma madrugada de carnaval, não sabia.
Seus delírios de inverno continuavam, cada noite era um martírio de sonhos estranhos, acontecimentos inimagináveis, tinha medo de adormecer e ao mesmo tempo não podia esperar aquelas cores, sensações e o melhor de tudo rever cada uma delas, não eram conhecidas em vida, pelo menos achava que não, mesmo tendo características bem peculiares de conhecidas, não fazia idéia de quem eram as coadjuvantes em cada noite. Não acordava por nada enquanto estavas neles, elementos de fora simplesmente entravam em cena e não o tiravam, o som do despertador por exemplo se tornava a trilha sonora e por ela dançavam, a luz que entrava sorrateiramente pela janela fazia um pôr do sol estonteante.
Pra fugir disso era simples, dormia assim que o sol nascia e acordava logo depois de duas ou três horas, desta maneira ia para festa mas perdia o melhor dela.

terça-feira, agosto 17, 2010

Bloco.

Não tinha mais poder de nada, a medida que o tempo passava, perdia quem era, mudava constantemente, mas o mais importante já estava decido, continuar daquela maneira não fazia sentido algum. Claro que seu coração já não funcionava mais direito, ao longo do tempo tantos traumas que não era nem confiável deixar tudo em suas mãos, já a razão aparentemente permanecia intacta, aparentemente.
Dores de cabeça se tornaram freqüentes, deixava claro que iria se perder mais uma vez, qualquer coincidência não era verdade não escolhia tais atributos a si, mas de uma forma ou de outra sentia que na hora as coisas deveriam ser assim.
Mudava de humor da mesma velocidade que um sinal de trânsito mudava suas cores, mas nem sempre tinha sido assim, o que queria ter estava longe, mesmo acreditando que aquilo podia mudar, ele iria fundo, se arrebentaria por uma sensação parecida com o que tinha antes. Mesmo assim era digno e não olhava para trás, da mesma forma que ela tinha o destroçado, pouco importava, a medida que perdia contato o medo aumentava, do que era feita aquela relação enfim?
Em vão seguia naquele bloco, se atrevia a dançar conforme a música, a distância entre as mãos de ambos era imensa o único momento de união era o pensamento, talvez só dele, talvez louco, não um vagabundo, a vida ainda valia a pena, mesmo sem a mulher amada e aquele falso amor, não se convencia que ele não merecia aquilo, chorava sim, a ilusão se desfazia machucando aquele coitado sonhador, ah se ele pudesse entender o que dizem aquele olhar.

terça-feira, julho 27, 2010

Alívio.

Chega aquela época da vida em que todos parecem ter definido seu futuro, largaram suas casas e foram atrás de outro lugar pra ter algo que possa ser chamado de seu, a vida provavelmente começa nesse momento. Muitos se engalfinham por ai afora e tem alguém pra chamar de seu, ele mesmo não tinha aquela sorte. Os amigos de infância vão ficando cada vez mais para trás e a seriedade chega levando para longe o descompromisso da juventude, tudo se acerta um dia, pensávamos, e é certo que o futuro não reserva muito disso.
Ao entardecer daquele dia soube que seu próprio rumo não seria o mais o mesmo, não que tivesse um foco e alguma coisa planejada, tinha porém uma lista de nomes que com a qual pretendia continuar junto, essa lista nunca poderia estar certa.
Aquisições diárias e um dinamismo impressionante traziam um ar misterioso à velhice, sabia que ao passar dos dias conhecia mais pessoas e seu leque de possibilidades ia aumentando regularmente. Era saboroso sim por assim dizer essa sensação de poder frente ao desconhecido, porém era óbvio que isso não lhe trazia felicidade.
Defina felicidade, mais um problema em sua pequena existência na Terra, sabia reconhecer em memórias esse substantivo mas não conseguia projetá-lo e dizer o que seria num futuro próximo.
Repetição delas talvez trouxesse certo alívio imediato mas não era  resposta, de reprises vive o amargurado, se sentir assim por meses não era nada saudável.

segunda-feira, julho 19, 2010

Ziper.

Vontades, seriam elas passageiras? Depois daquela tarde achou que não fossem, não preferia que fosse assim, não escolhia mais nada em sua vida. Passou então a viver passivamente por tudo, aproveitando as oportunidades que lhe surgiam somente, nada de correr atrás do que efetivamente queria.
Aquela três por quatro dela continuava em sua carteira, um pouco amassada, ainda assim maravilhosa, poucas vezes tinha visto alguém realmente parecer agradável numa foto desse tipo, de frente num fundo branco sem nada para esconder.
Carteiras iam e vinham e continuava ali sempre no primeiro buraco à esquerda. Provavelmente aquela visão lhe fez bem por tanto tempo e talvez continuaria assim, mas não era verdade, e disso tinha certeza.
Aquela tarde relutou muito antes de depositar aquele retrato em outro lugar, não conseguiria colocá-lo no lixo, nem se livrar definitivamente dele, com o tempo chegou a conclusão, tinha que voltar para o lugar que esteve antes, voltou à sua cidade natal e na casa de seus pais, abriu seu armário, estava lá, intacto, mesmo após anos depois, em pouco tempo vasculhando achou a velha carteira marrom, com o mesmo ziper estranho que dificultava sua abertura, era perfeita.
O meio termo ali se fez justíssimo, algo tão pequeno que precisava ser mudado, pra variar não era a melhor opção, mas seguia sua vida conforme o ritmo, a dança, era hora de pegar a nova câmera e conseguir a nova três por quatro, a modelo poderia ser a mesma, só não sabia se teria a felicidade de encontrá-la. Vontades não mudam, pessoas mudam.

quarta-feira, junho 30, 2010

Disso.

Descobrir o verdadeiro valor das coisas e perceber que talvez elas tenham um norte totalmente diferente do seu. Sua noite começava mais uma vez da mesma maneira, sozinho com um velho caderno à deriva, a caneta estava no chão a pelo menos três dias, junto com ela o telefone. A única luz do quarto vinha do televisor ligado no mesmo canal de sempre, mal olhava para ele, não era uma competição justa com sua janela, sempre aberta sem nenhuma persiana, a elegância das estrelas perdiam para poucas coisas.
Decidia aos poucos a que hora levantaria, aquela segunda-feira estava com muito cara de domingo, talvez porque estivesse desempregado, pouco importava, se alongou rapidamente e pulou da cama, não havia ninguém em casa tampouco na geladeira, ficou satisfeito em encontrar um garrafa d’água pela metade, incrivelmente gelada, como gostava disso, a frieza passava garganta abaixo e gelava seu corpo por inteiro, adorava o frio.
Olhou em sua volta e percebeu que naquela cidade certamente o maior carinho que teria em sua noite seria sua própria cama, nada agradável visto que já havia passado ali grande parte de seu dia, sentou-se no sofá, olhou as paredes em sua volta e logo foi tomado por uma suposta agonia, existia combinação pior do que a solidão e a certeza de merecimento? Chegou ali por suas próprias ações e inexplicavelmente por seus próprios desejos, sua testa tremia frente a recém chegada dor de cabeça, voltou a geladeira pegou a garrafa d’água com o pouco que faltava e colocou na cabeça e se deitou por um pouco mais.
As gotas escorriam pela face, um pequeno alívio se tornava presente ali. Nada mal pensou as dores continuavam tudo convergia e acontecia menos ela, não conseguia se livrar, nem queria, aquele sorriso maravilhoso em conjunto com a blusa vermelha, charme aliado a frieza, dispensava qualquer edredom por ela.
“Não se esqueça disso, te amo” últimas frases daquele caderno que o qual todas as palavras anteriores e posteriores podiam se resumir nesta frase.

quinta-feira, junho 24, 2010

Justiça.

Claro que era mais fácil simplesmente virar e falar tudo o que sentia, mas isso simplesmente não teria efeito, nesses últimos anos vinha de tempos em tempos mostrando seu descontentamento, parecia nada a adiantar, por vezes achava que estavam mais próximos mas na mesma semana esse sentimento ia por água a baixo. O certo é que nenhum dos dois sabia ao certo como agir e se devia agir, ele principalmente.
Notável como era simples notar que quando ela falava ele só conseguia admirá-la, lhe falta ar a a maneira que seus lábios mexiam, a suavidade de sua voz, os movimentos dos olhos em harmonia com os das mãos. Em sua cabeça só podia ser ela a mulher de sua vida, mesmo assim era sensato. Se só ele sentia isso aparentemente ele não a merecia, por mais que isso o machucasse demais parecia ser a verdade e o mais justo.
Odiava essa justiça mais que a distância entre os dois, porque assim sabia que não fazia sentido morrer de amor por alguém que não sinta algo parecido por si, e sabia que o inverso disso também era verdade pois estivera do outro lado algumas vezes e agiu da mesma forma que da qual estava sofrendo, e demorou muito tempo para perceber isso.
Se esqueceu que a alegria da vida era simplesmente se abrir, novas ou velhas experiências não importavam muito o importante era vivenciá-las, rir e amar com quem seja, o sorriso sim era importante, o sorriso havia ido embora a muito tempo e sem previsão de volta, infelizmente.

quinta-feira, junho 10, 2010

Brinquedo.

Ter a certeza que você não faz mais diferença e a noção de que sua presença nem é mais desejada, era desta maneira que sentia que a relação dos dois havia se tornado. Como era difícil aceitar que ela podia ser feliz ele, plenitude em outros pensamentos, só ele se perdia com ela ainda.
Já é madrugada e ele simplesmente não dorme, não acorda, fica num estado de preguiça e de suor, nada confortável, possivelmente se perguntando, como ela podia estar tão diferente, se ela mesmo dizia que ele não a conhecia mais, o que ele mais queria era poder conhecê-la novamente, seus passos, curvas, danças, e tudo mais que ela oferecia que deixava seu lado esquerdo do peito palpitar.
O telefone continua ali de lado, tinha quatro números dela ali, não ia ser inconveniente odiava pensar que talvez estivesse sendo, ainda mais com ela, não fazia sentido, o importante é que fosse natural, como da primeira vez, sem arrependimentos e sem rumos e pretensões, acredite, como era infeliz sem saber dela.
Sozinho, esteve assim boa parte de seu tempo sem ela, e que por amor queria sorrir novamente, com ela não havia medo de mencionar essa palavra, colocava tanto peso nela que nunca conseguiu dizer essa mesma palavra para outra pessoa com um sentimento parecido, não que o sentimento devesse ser o mesmo porém ele tinha certeza que não conseguiria sentir daquela forma com outra pessoa. Talvez conseguisse, tinha em mente que ele era um pouco dramático e talvez fosse normal aquele distanciamento entre os dois, não seria ele que iria atrás novamente, já o havia feito várias vezes e sinceramente achava que seria inconveniente, sentia a falta dela essa era sua máxima.
Não comentava muito com ninguém, mas todos os mais próximos reconheciam que ele tinha um vazio em si, na maioria dos dias ele simplesmente negava, em vão não conseguia mentir, estava em seus olhos e um certo sorriso a cada lembrança dela. Mesmo distante fazia planos que talvez nunca se concretizassem, pontualmente pensava nela quase que diariamente, achava fantástico como ela vinha em fácil associação com milhares de coisas em seu dia a dia, era complicado fugir.
Queria sim ser o brinquedo dela, não suportava a idéia de pensar dela ter outro, nunca teve ciúmes, não acreditava nisso, uma vez que duas pessoas estão juntas é porque querem. Faria de tudo para que pudesse esconder sua própria euforia sobre ela, e que fosse natural, sem o sofrimento pudesse vê-la, segurar em suas mãos suaves e o único movimento de lábios acontecesse quando os dois se tocassem.

domingo, junho 06, 2010

Dotes.

Desigual, podia definir assim suas atitudes e ações, melhor acreditar que não podia ser diferente, diante de um novo afeto se fazia indiferente até conseguir o que queria, dali pra frente tudo terminava em ruínas. Elas não voltavam e ao longo dos dias ele mesmo não esperava por isso, se acostumou com a solidão à sua maneira, tinha o que precisava em seus livros, copos e sua janela.
Fitava a rua e assim ficava por horas, carros carros carros e silêncio, não mudava muito ao longo do dia no entanto passava bom tempo ali sobre o cruzamento.
Em dias assim mesmo olhando para o movimento podia se dizer que não via efetivamente nada, estava distante, cego em pensamentos. Ia e voltava, abria e fechava tópicos sem nenhuma preocupação, dialogava sozinho em sua mente, claro que ela repetidamente era recorrente lembrada, sua voz, cabelo, olhos, e em cada comparação ela se sagrava vitoriosa, mal ela sabia de seus próprios dotes, ele não esquecia sequer de um e os existentes mesmo enviesados eram máximas para ele.
Tudo naquela noite parecia ser exatamente igual, parecia e foi, ano após ano não conseguia estar satisfeito independente do que estava vivenciando. Não era uma preocupação em si, mas continuava pra baixo, tão baixo quanto seus pensamentos.

domingo, maio 23, 2010

Natural.

Não sabia ao certo como, mas ambos estavam de mãos dadas, conhecia o lugar, era a rua de sua casa, movimentada sempre, muito barulho, estavam próximos da entrada e sem pudor a perguntou se gostaria de subir, ela simplesmente assentiu com a cabeça. Parecia sim a primeira vez dela ali dentro, cautelosa a cada passo, não existia muito espaço porém ali era um lugar muito mais caloroso que as ruas da cidade, se sentaram na cama e confiaram no shuffle do aparelho de som dele, nunca errava.
Acordou de fato, claro que era um sonho, estava tão óbvio, só ele não percebera, deu um sorriso amarelado para si mesmo e levantou-se.
Era domingo, pra variar não existia nada na geladeira e nem em outro lugar da casa, saiu e fez o desjejum da mesma maneira de sempre, sem surpresas pensou consigo mesmo. Claro que estava enganado, seu celular tocava, pegou despretensiosamente, era ela, deu um longo suspiro e atendeu, como a voz soava maravilhosamente no telefone, às vezes se perdia no que ela falava, às vezes. Nunca gostava de mencionar seus sonhos, eram invasivos, e pouco importavam pra outras pessoas pensava consigo mesmo, desta vez achou válido mencioná-la, ela pela primeira vez achou interessante, perguntou por detalhes, não mencionou todos lógico, disse só que estava juntos, e haviam subido para seu quarto e conversaram, foi bom disse no final da descrição. A voz dela se silenciou por um tempo, mas logo de modo mais forte e sem gaguejar, de forma natural disse claramente: -“ não gostaria de fazer isso hoje? ainda não conheço sua nova casa.”
Sua cabeça girou, pensou ter sido atropelado enquanto andava pela rua e mal havia percebido, mas não estava ali e era real, após sua cabeça retornar ao normal respondeu firme: –“Claro, seria ótimo…”. Não soube porquê não expressou mais alegria que isso, por dentro não se continha.
Eram quase cinco horas quando o interfone tocou, ela estava lá embaixo, tinha recusado ser pega em casa, sempre chegava atrasada mas chegava, aqueles cinco minutos do tempo de subir os dez andares foram intermináveis, deu umas sete voltas em sua casa, e a campainha ainda não havia tocado, a porta já estava entreaberta.
Ela entrou e se abraçaram forte como de costume, e em menos de dois minutos já havia conhecido todo o local, pequeno e aconchegante pelas palavras delas, se sentaram e ele de forma rápida ligou o som ficaram sentados, um tanto quanto perto, mas sem contato físico, contaram como foi a semana de cada um. Ela visualizou sua câmera e perguntou se era muita diferença de uma normal, ele sem pestanejar respondeu que ela notaria ali a diferença.
Por um minuto ela se escondeu e ficou vermelha pedindo para que ele parasse, até que se conformou  e fez uma posse simples com o sorriso aberto e cabeços a frente, estava linda. Ele após umas três fotos chegou mais perto e lhe mostrou as fotos, ela deu mérito a câmera, ele disse que a mesma não fazia milagres, era ela.
Nesse momento soube que agir por impulso não era a coisa certa a ser feita, mas como queria vivenciá-la novamente, e o fez, largou a câmera na pequena cama de solteiro e se aproximou lentamente dela que por sua vez não se moveu, aceitou por assim dizer, e lhe deu um beijo, foi cauteloso, após a maravilhosa sensação, voltou para trás e rapidamente pediu desculpas, com peso no coração essas palavras saíram de seu peito, porém ela nada disse só o puxou de volta para cima de si e continuaram ali. Se esqueceram que fora dali não estava mais do que dez graus de temperatura, mesmo com as janelas abertas ali, dentro do quarto a temperatura estava muito alta.
Seus corpos se encaixavam com exatidão, se completavam, não bastava apenas conversar com ela, claro que amava suas opiniões e todas as discussões que tiveram juntos, porém ali no contato físico eles combinavam perfeitamente, ah como estava feliz naquele momento, tudo corria bem, ótimo para ser franco, não sairia encima dela por nada naquele momento.
Uma música nova tocava no cômodo, não lhe era estranha para falar a verdade, nem estava dando atenção, mas tinha certeza que não tinha aquela música em seu aparelho de som, Tocata e fuga em ré menor de Bach, adorava ela.
Acordou de fato, se lembrou de uma vez porque a música lhe era familiar, seu despertador. Ai ficou simples de se explicar porque não gostava de dormir mais de quatro horas por noite, seus sonhos não eram nada agradáveis.

terça-feira, maio 18, 2010

Água.

Mais um dia tinha ido, a noite abraçava o azul e o levava embora do céu. O vazio instalado estava ali presente ainda. Fato que o barulho na última semana havia se acentuado mas para ele ainda era não era efetivo. Em algum lugar sabia que lá estava ela, não fazia idéia no que poderia estar pensado, livros, música, filmes, não sabia. Por eliminação sabia que nele seria uma das últimas coisas, por si próprio, precisava tanto dela que só ter pela metade talvez não fizesse sentido, talvez.
Aviões passavam a toda pelo céu da cidade, por um instante queria estar dentro dele, sem rumo, aventureiro por um tempo, mal sabia que só vale a pena a volta quando se tem alguém para voltar. Naquele ano não possuía ninguém além dele mesmo, não que efetivamente tivesse alguém nos outros anos, desta vez não havia choro, desespero ou qualquer outro tipo forte de manifesto, seu mundo era tranquilo e sem surpresas. Dormiu.
Nem mesmo teve tempo de começar a sonhar acordou com o zunido do despertador, cogitou jogar o aparelho longe, porém aquele velho aparelho de metal faria mais barulho caindo no chão que apenas o desligando. Juntou os pés ao chão, levou as mãos frente aos olhos, tudo permanecia idêntico menos fora da janela, chuva, e como chovia.
Ao se levantar quase tropeçou em um de seus livros deixados pelo chão ao lado da cama, o ajeitou com os pés, pegou uma toalha e roupas limas. No banheiro fez o mesmo ritual de sempre, ficou embaixo do chuveiro antes de ligá-lo, frio, frio, frio, aconchego, preferia que fosse assim, dolorido para que a recompensa parecesse maior, tolice talvez, repetia aquilo diariamente.
No lado de fora de casa continuava a chover, sentia vontade de correr por entre ela do jeito que estava, sem ninguém para lhe atrapalhar ou julgar, só ele e água, o que ela falaria disso, não pensava mais nisso a um bom tempo, só sabe que responderia com um sorriso, só era feliz quando chovia.

segunda-feira, maio 10, 2010

Voz.

Ia com ele em pensamento aonde estivesse, só não compreendia porque ela só continuaria ao seu lado em pensamento.
Por trás de seu metro e oitenta não era tudo que ostentava, tinha mais dúvidas que ímpetos, e perto de seus vinte anos certamente era um problema, dividia mal seu tempo, organização ficava atrás de seus desejos, o problema que desejos esses não eram mais compartilhados por ninguém.
Manhãs, tardes e noites eram iguais, em mais de cinco anos nunca imaginaria estar tão diferente, todas as suas preocupações se resumiam em uma.
Sua caixa postal continuava vazia, fitava o carteiro diariamente pela janela feito uma criança, lábios cerrados, pupilas dilatadas, nada. Só contas lhe diziam oi, mês pós mês foi assim e o panorama de mudança para os próximos não ficavam nem um pouco mais animadores.
Acreditava que havia cometido muitos erros, normal, ela também, mas a balança não funcionava assim, para si demorou muito tempo para parar de repetí-los, batia na mesma tecla, falava demasiadamente quando a melhor coisa seria continuar calado, inúmeras vezes foi inoportuno, isso sem contar os problemas pré fim do relacionamento, essa lista não saía de sua cabeça.
Pecar pelo excesso do que pela falta seria sua maior derrota, aquela máxima na maioria das vezes fez sentido em vida, desta vez achou que simplesmente destruiu algo que remotamente voltaria a ser verdade.
Pensava de verdade que enfim aquele teria sim sido o último beijo, meio sem jeito, desencontrado, com algum sentimento e muito carinho, não conseguia se expressar, não tinha certeza se ela estaria participando ou sendo apenas testemunha daquele momento, se a segunda opção prevaleceu a tristeza também. Colocou naqueles movimentos, sem ter medo de errar, toda a paixão que achava ter se transformado em amor, já não fazia idéia de como distinguir os dois, existiam dois?
Ela deixava claro seu posicionamento, queria vivenciar o novo, deixar de lado o que já havia feito, diferenciar-se. Ele por si só tinha a mesma busca em sua vida, o que não ficava claro que tudo seria novo a partir dela ao seu lado novamente.
Aquela voz, olhar, cabelos, corpo, conseguiria enumerar qualidades por horas a fio, sabia a diferença tênue de insistir e perseverar.
E não era por ela, era puro egoísmo, sua felicidade era ter aquele sorriso para si, dividiria com outras pessoas apenas em algumas horas determinadas de cada dia. Impossível, e claro que não o faria, mas imaginava por graça.
Continuaria escrevendo, errando, persistindo.

quinta-feira, abril 29, 2010

Novamente.

Não importava o quanto dormia, ainda permanecia cansado, sua agenda lotada e vazia claro que não fazia diferença, não era isso que lhe tirava o sossego.
Suas camisas estavam mal arrumadas, os sapatos espalhados pelo cômodo, a janela aberta e uma lua nada deslumbrante no céu, sobre aqueles dez andares era tudo que tinha.
Mesmo a palavra tudo ser algo muito relativo, não considerava quase mais nada como posse, e se apegava muito a essas poucas coisas, sim eram coisas não simplesmente objetos.
Considerava tudo aqui, e aqui tudo pode ser visto como algo relativamente pequeno, era sua morada, e era óbvio perceber que não se sentia bem ali, em pouco tempo dezenas de eventos haviam ocorrido ali, e alguns eram absurdo a quantidade de vezes que se repetiam, pagava as contas sempre atrasado, dividia o elevador sempre com as piores pessoas, que lhe fazia seriamente pensar em ir de escada diariamente, escutava seus álbuns a um som relativamente alto em qualquer horário, entre outras. Seu sentimento naquele lugar era praticamente constante também, nunca muito bom para ser franco, tanto que o lugar lhe lembrava o azul, uma cor nem sempre brilhante e alegre como o céu, para ele aquela cor lhe trazia um vazio inexplicável, mesmo de noite, jurava que que o céu continuava da mesma cor.
Era pra fora que olhava todos as noites, aquele vazio interminável penetrava suas retinas, e ali ficava, os carros passavam, ninguém andava por lá mais, as nuvens sempre diferentes permeavam entre sua mente, e parado naquela janela com os braços para fora sentia que tinha oportunidades, mas nenhum poder ainda, ou seja vazio de novo e de novo e de novo.

terça-feira, abril 27, 2010

Lógico.

Pega a caneta, solta a caneta, a cena se repete por três vezes mais…
Sentiu que o certo seria não ter pego mais a caneta, mas era claro que faria exatamente o contrário do que tinha por certo.
Errava mensalmente como se trabalhasse para isso, como qualquer ser humano se arrependia antes de mesmo fazer as coisas, e sabia que não ia deixar de fazê-las.
As cartas tinham endereço certo, sempre chegavam, algumas vezes tinha respostas, nunca resolveram nenhum problema, nem trouxe alívio que fosse, mas a sensação da ansiedade até a reposta sempre lhe era satisfatória, e sabia que pessoas reagem diferente para mesmos estímulos, ela seguia essa regra, mesmo que inconscientemente, era mágico para ele.
Pousou a caneta ao lado das folhas, não era hora para escrever mais. Não duvidava de que na maioria das vezes o que fazia surtia efeito contrário, e como assim insistia no erro, impensável.
Engraçado, a paixão lhe desmembrava, o deixava fraco, sem saber como ficaria, e nunca se indignava, preferia as saudades ao nada. De uns tempos pra cá parou de se policiar, a barba estava por fazer a mais de meses, alimentação fraca destoava com seu físico, sem muito explicar se entregava.
Seu olhar a cada dia espelhava melhores paisagens, ela com o mesmo jeans, o porto de fundo, o mar tomava conta da música de fundo, a vizinhança já reconhecia os dois ali sentados, bancos de madeira parafusados, nada mais, precisava?
Claro que não acontecia mais, as coisas rumavam para um futuro diferente, incerto, lógico. O problema era o mesmo que trazia alegria tempos atrás, assiduidade nunca estaria numa lista de aspectos ruins, hoje tinha como certeza de que mais uma vez pela última vez se sentiria da mesma forma, só. 

Lobo.

Desapontado, fora de eixo, cansado. No seu corpo os acontecimentos do ano estavam-lhe deixando marcas, isso era fato.
Os gostos musicais eram praticamente os mesmos mesmo afundado em novidades, e não era só na música que continuava constante.
Sirenes uivavam pela janela, além disso mais nada, o quarto apagado, porta fechada, janelas abertas, tudo escuro, como o teto do quarto era solidário e companheiro. Comtemplava aquele retângulo por horas, toda a noite percebia que a luz não estava alinhada e a cada manhã acordava e esquecia daquilo, impressionante, memória seletiva infeliz, disso nunca de esquecia.
Tédio, falta de interesse, falta de ar-condicionado. Naquela cidade sentia o calor de uma forma diferente, não como estava acostumado em sua cidade natal, por aqui era notável a diferença, leveza e naturalidade não existiam, tudo era pesado, mal pigmentado, corroía a pele, puros ossos advindos do dinheiro lhe diziam, claro que não discordava de nenhum deles em público, porém, frente ao espelho falava tudo o que reprimia ao longo dos dias, e como falava, sem tempo, óbvio que sentia vergonha daquilo, mesmo com portas fechadas, ele podia sim reprimir tudo com música alta, mas não o fazia, de forma clara e tranquila e repetia todos os dias após acordar, tinha que esperar o sono passar, quase nunca o tinha, não podia colocar murmúrios antes do mesmo, claro que não existia mal algum e começar o dia com eles, mal humorado só para os outros, mereciam, não, sim, talvez, quem era ele pra definir aquilo, e qual a importância tinha?
Efetivamente sabia o que era importante, olhou para sua caneca, o chá estava pelo fim, frio, e de ontem, melhor impossível. A única coisa que não lhe fazia sentido era o uivado que nunca parava, talvez não fossem sirenes, tampouco a cidade.

domingo, abril 25, 2010

Riso.

Claro que a culpa recairia sobre seus ombros, a cama continuava ali desarrumada, não tinha ela, não tinha paz, e era tão convicto disso quanto que dois mais dois seriam quatro. Convicção não lhe ajudava em nada, ficava imaginava como continuar levando vida daquela maneira, queria vê-la, não precisava ser de nenhuma forma especial, podia estar recém acordada, com cabelos desarrumados, sem alguma maquiagem, tinha a certeza que continuaria linda, além disso não esperaria menos que algumas horas, sua voz por mais que fosse contraditória, conseguia ao mesmo tempo ser doce e sutil de tal forma que mesmo que não concordasse com nada que ela dizia ao fim de cada frase assentia com a cabeça fazendo menção de compreendê-la, aquilo era único e especial nela pensava consigo mesmo.
Mente e coração convergiam em saudades, estúpido, era ótimo em começar e terminar outros romances em questões de horas por ai afora, não esperava encontrar as mesmas características em outra, simplesmente ficaria feliz com novas que suprimissem aquelas outras, vezes atrás de vezes não encontrava e voltava ao início, ao nada.
No seu relógio de bolso, sim era antiquado, não se importava, marcavam onze horas e onze minutos, lembrou-se de velhas amizades que sempre comentavam da melhor hora do dia para se fazer pedidos, uma vez que todos os números da hora eram iguais, nunca viu sentido nem nexo nisso, mas daquela vez mesmo se sentindo ridículo, fechou os dedos e os olhos, e sem mover um centímetro dos lábios solfejou o nome dela, olhou para o seu redor… nada, segurou um certo riso pela brincadeira, decidiu ir à padaria mais próxima, mas naquele ano pela primeira vez já tinha certeza o que pedir para no natal, dias melhores, ela talvez nem o bom velhinho conseguisse.

quinta-feira, abril 22, 2010

Bellum.

Não imaginava como chegaria rápido aos quarenta e dois. Naquela noite havia acordado as quatro da manhã, nenhum barulho anormal, na verdade não havia ninguém em casa, olhou para os lados, silêncio, puxou seu celular descobriu as horas e se situou um pouco, decidiu se levantar, a cabeça doía um pouco, sem hesitar tomou um pílula e ao fazer isso descobriu que estava sem água, potável, foi ao banheiro e ligou o chuveiro, quase se esqueceu da toalha, deixou que a água escorresse por todo seu corpo, mal conseguia pensar, pouco a pouco a fumaça tomou espaço de todo o lugar, aproveitou o momento escovou os dentes ali mesmo tomando banho, aquelas cerdas plásticas não eram nada agradáveis considerando os anúncios de televisão.
A sensação de frio saindo do banheiro é magistral, por mais que ele pensasse que tinha se secado o suficiente, cada gota de água proporcionava um gélido arrepio em si. Tinha dormido lendo, seu computador permanecia aberto ao seu lado na cama, mesmo sendo de solteiro, cabiam milhares de coisas ali, a verdade era que não ocupava muito espaço.
Tirou todas as coisas de cima da cama, puxou uma vez mais seu edredom sob si, o frio já tinha ido embora porém necessitava sentir algo naquela noite, nem que fosse o conforto impessoal de trezentos fios e cem por cento algodão.
Ficou surpreso tamanho a velocidade a qual adormeceu, sabia que perdia o controle de tudo mas tinha consciência que iria só assistir os eventos que aconteceriam e vivenciaria por ali, o pior era ter a consciência de que nada ali seria útil e real, e cada minuto ali não lhe era satisfatório, por mais perfeito e tangível que parecesse ser naquele espaço de tempo, não se iludia e a cada despertar sabia que cada noite não lhe garantia acesso a lugar algum.
Acordou um dia a mais, e sabia que nada havia mudado de fato, statu quo res erant ante bellum.

sexta-feira, abril 16, 2010

Rasa.

Apenas viva, apenas viva, apenas viva, já parecia não bastar, veja bem a televisão lhe dizia sempre, se entretenha, compre, compartilhe, tropicalize. Algumas brasilidades e luxos não faziam falta alguma, irresponsável era o que era, perto de seus vinte anos se orgulhava de menos coisas que efetivamente poderia.
Sentia falta de neve, sabia que estava totalmente adaptado aquele clima agora, provavelmente estava mais frio que ela própria. Do lado de baixo do equador os acontecimentos não eram muito animadores e se aconteciam, a vontade não era voltar por onde já tinha andado e feito, sentia atrelado em seu peito a vontade de explorar novas cidades, costumes, pessoas.
Estava estagnado em apenas vontades e não se movia, sentia necessidade de regresso à tabula rasa, de uma folha em branco escrever uma vez mais sua vida, não uma segunda chance, um recomeçar, na verdade agora seria mais interessante, contava com sua experiência a favor, passar pelas tentativas e erro seria totalmente revigorante, seria como uma trapaça planejada, um novo início com pressupostos totalmente egoístas, bom somente para si.
Tinha em mente que seu bem estar dependia e transpassava de si só, era óbvio que sorrisos alheios lhe alegravam, precisamente os delas. Bastavam semanas pra perder a noção do quais eram seus sentimentos e o de outras, numa mistura atrapalhada sabia que em pouco tempo teria um novo hobbie, o desafio de depender de sentimentos alheios que tanto os satisfaziam.
A folha já estava em branco, só lhe faltava a tinta.

quarta-feira, abril 14, 2010

Conforto.

Demorou mais tempo que os outros, mesmo um século depois chegou a uma conclusão óbvia, lembrar de tudo é sofrer demais, e como não seria?
Então entrou em um dilema diferenciado, como seria a partir de agora, não conseguia segurar sua língua, voltando para casa pós cada fim de noite tinha em mente que seu coração não tinha mais morada, de todos os lugares possíveis para pousá-lo grande parte estavam ocupados, distantes, desinteressados. Melhor maneira não havia de expressar seu descontentamento quando isso do que em frente ao álcool, se soltava agia de maneira não socialmente esperada, e cometia erros, erros que por muitas vezes afetou seu relacionamento com outras pessoas.
Longe de melhores dias no horizonte, não via como uma mudança de pensamentos podia mudar sua rotina, a insônia não lhe largava, os exercícios que muitas vezes o ajudaram a limpar a mente estavam cada vez mais distantes, e acima de tudo, não se sentia bem. Mas o que poderia pensar? Como e porquê? Mais a fundo ainda, por quem?
Seu calendário não importava o mês, era impressionante como continha anotações e riscos, mais atarefado que o presidente da nação, péssima comparação, sentia que nunca completaria todos os espaços da sua “to do list”.
O vento fazia barulho naquela quarta feira, as janelas batiam, contudo não estava frio, tampouco estava lhe incomodando, sabia que aquilo era inexorável à sua essência, bem quando não precisava e vice versa. Seus sonhos não lhe diziam nada, só ótimos acontecimentos que nunca ocorreriam, ou seja, seu único momento de descanso se tornou um tormento, fazia o máximo de coisas no dia, e mesmo assim não tinha apreço nenhum ao sono, dizia aos outros, perda de vida, aproveite melhor seu tempo, e resistia nisso até nas madrugadas chuvosas nas quais qualquer um se entrega facilmente ao edredom e o conforto de suas camas, acompanhados ou não.
Ele continuava insistindo em se tornar algo melhor, talvez pelas mecânicas erradas, mas insistia, lia tudo que podia, sobre os mais diversos assuntos, vivenciava o que podia, não o que queria, tudo que tinha era em si um grande afogamento de mágoas, ninguém sabia e tampouco se importava, em conversas era correto, sozinho caia em contradição, não se respeitava, e limites eram esquecidos.
Olhou para o violão, após as duas da manhã, ninguém dormiria por ali mesmo, não valia nada.

segunda-feira, abril 12, 2010

Colírio.

Mesmo sem saber, no mesmo dia ela sabia consolar e destroçar aquele rapaz, e a dor era profunda, lhe trazia vazio, desolação, um salto inesperado à dor.
Ele tinha imenso receio em ler aquelas cartas, quando chegavam corria feito maluco para abrí-las, e depois que abria perdia um certo tempo para realmente começar a ler, medo de que o frio se instalasse de vez em sua pessoa, tinha noção de que cada palavra vindo dela tinha um poder imenso em si, era refém daqueles trejeitos, da forma doce e desinteressada da parte dela. Era óbvio que para ela ele era apenas mais um, não havia outra explicação, não podia acreditar que ela fazia aquilo de pura maldade e escolhesse as palavras com um único motivo de destroçá-lo, por mais importuno e inconveniente que tivesse sido algum dia na vida dela.
Sentia que de alguma forma, se destacava da curva normal, e não sabia até que ponto isso era interessante, o homem não sabia como agir encurralado e na maioria das vezes abaixava a cabeça, permitia ser coadjuvante de um filme inexplicavelmente absurdo. Ser fantoche dele mesmo nesse roteiro, depois de tudo que tinham passado, sentia que pouco significava à ela, para ele ironicamente pouco ou nada se esquecia dos momentos juntos. Memórias assim martelavam em sua cabeça, o mundo inteiro estava a sua disposição e não era capaz de aproveitá-lo, todos os sentidos eram voltados à ela, via sua face por toda a parte, seu nariz simplesmente sentia somente aquele perfume, suas mãos não queriam perder aquela sensação de calor e conforto, nenhuma voz lhe confortava tanto, e o melhor colírio para seus olhos eram aquele sorriso.
Não via escolha se não a deixar de aceitar aquilo como verdade, nada mais lhe fazia sentido, sinestesicamente a sentia em tudo que tocava, prestes a se tornar psicótico tomou o telefone por mais uma vez e… nada fez, ajustou o despertador e deitou-se mais uma vez, seria uma noite péssima.

domingo, abril 11, 2010

Notas.

Uma última olhada antes de sair do quarto, checou com alguma pressa, parecia não faltar nada, com as malas em mãos se despediu de todos, chamou e elevador e foi embora. Ao chegar em seu carro logo sem hesitar colocou o cd que estava em suas mãos, pegou o celular com apenas uma das mãos e mandou a mensagem previamente escrita, passaria lá de uma vez por todas.
No caminho as músicas lhe faziam tão bem, flagrava seus lábios solfejando cada nota, soletrando cada palavra, quando havia chegado na rua dela, ela já estava embaixo, com uma pequena mala vermelhanas mãos acompanhada de uma mochila cinza, ele por sua vez, desceu do carro a deu uma abraço, colocou suas malas no porta-malas junto a sua preta e cansada.
Ao entrar no carro ela advertiu cautela, ele simplesmente falou que não existia nenhuma pressa, ambos rumaram para a estrada, como de costume ela falava demasiadamente sobre muitos assuntos ao mesmo tempo, ele adorava isso, tampouco se lembrava das músicas que escutava com tanta afeição antes dela chegar.
Da quarta para quinta marcha e estavam subindo a serra, a maresia ficava para atrás e junto com ela milhares de pensamentos, vontades e desejos não realizados.
Numa curva relativamente longa, pela primeira vez começou algum assunto naquela tarde, você está linda, e continuou dirigindo sem nenhuma alteração a maneira que estava guiando antes. Ela se moveu e beijou-lhe o rosto, sentou-se de volta e pela primeira vez seguia a música, enquanto ele esboçava um certo sorriso sentiu em sua perna uma das mãos dela, esperou a curva e música acabar e pousou a sua sobre a dela, continuava pequena e fria, ele a fitou por um instante no momento em que os dedos se entrelaçaram ela sorriu, não olhou para o lado como esperado, ele se policiou a fazer o mesmo, todas as músicas do álbum haviam terminado, ela olhou para ele em espera de alguma reação, ele simplesmente se faz fácil e disse, escolha qual quiser.

segunda-feira, abril 05, 2010

Sal.

“É melhor você ficar por aqui mesmo”, era o que todos os amigos lhe diziam, e talvez estivessem certos, ali perto deles sabia que não existiam muitas coisas possíveis de lhe afetar a segurança. Não estava mais atrás disso.
Sentia que possuía certa liberdade de vida, morava sozinho, e passava a maior parte do tempo consigo mesmo, não sabia se era mesmo ironia mas nem mesmo nos ônibus sentavam ao seu lado, e cada viagem se tornava mais fria, não era pela chegada do inverno ou a chuva simplesmente era ele.
Não sabia como lidar com as pessoas ao seu redor, ou pior sabia tão bem que não fazia questão disso, o problema de não fazer questão era que seus princípios batiam de frente com sua vontades. Sentia dentro de si, sua libido tinha sido esquecida a tanto tempo atrás que voltava cada vez mais grande, por instantes se deixava levar pelo seus instintos, nesses momentos de desatino era óbvio que queria aproveitar tudo que o próprio havia privado, se permitia sentir e agir à gosto de qualquer pensamento.
E claro que viveu assim por longo tempo, até os meses nos quais precedem aquele conselho de suas amizades. Não impunha mais aqueles ritmos, suas vontades estavam enterradas tão fundo que não vinham a superfície com tanta freqüência, e para ser mais franco ainda não vinham mais. Sua inabalável zona de conforto havia se esvaído de forma tão casual que levou tempo até que fosse notada, uma vez que notada lhe trazia um vazio nunca sentido antes.
A verdade é que estava perdido, voltas pelas cidade na madrugada se tornaram habituais, se flagrava caminhando pelas ruas da cidade somente acompanhado de um silêncio frio que só era quebrado pelos automóveis em alta velocidade que mal sabiam o que se passava naquela alma.
Naquela noite após três quadras virou á direita e sabia mesmo sem notar, tinha como destino a praia, a lua despejava melancolia nele, nada de poético, triste não tinha nenhuma canção de consolo pro momento, o mar tentou suprir esse papel. E ficou ali sentado de frente ás ondas de costas ao mundo, as ondas molhavam seus sapatos, como se importasse, continuou ali não mais que quinze minutos se levantou olhou para os céus, nada era óbvio que precisava de ajuda.

sexta-feira, março 26, 2010

Agouro.

E bastava chegar a quarta feira para que agisse daquele jeito, recluso em sua mente, sozinho, longe de tudo que o afetasse. Mas a outros olhos era um de seus dias mais alegres, conversava alto, brincava com todos, planejava programas que efetivamente nunca faria, bebia e brindava a uma saúde impecável a todos. Sentia que dessa forma fazia parte de um grupo socialmente aceito, nem ao menos questionava sua conduta, e até era boa no curto prazo, muito curto prazo, os sorrisos eram passageiros e se esvaiam mais rápido que o metrô da cidade, a cada estação sabia que isso lhe consumia o mesmo tanto que preenchia, nada.
Ao fim da noite, cada um voltava para seu lado, em seu quarto o colchão já continha as formas de suas costas, não que passasse muito tempo ali, mas tinha deixado marcas, há tempos atrás no mesmo lugar, tantas alegrias e frustações ficaram por ali embaixo do edredom, as marcas eram de agora, somente o vazio circunstancialmente pesado.
As companhias não mudavam frequentemente, entre amizades e amores era extremamente complicado entrar em seu círculo afetivo, uma vez dentro a saída tinha que ser extremamente forçada, mesmo assim podia ser chamado de sociável, lidava bem com pessoas, talvez por isso ficasse claro que não confiasse em ninguém.
Ao passar dos anos a experiência lhe trazia péssimos agouros, sentia uma reviravolta de sentimentos, e por mais que tentasse os manter afastados, sua impulsividade aliada ao álcool fazia com que vivenciasse acontecimentos que realmente não desejava, por mais que acreditasse nos objetivos, tinha o maior dos rancores de suas estratégias, ações e sentimentos não seguiam paralelamente. Sabia que desta forma não teria êxito, mas não se abalava, mal sabia o que seria esse êxito, certo ou errado, a única coisa que tinha certeza é de que não podia prever o futuro e que o melhor ninguém sabia, tampouco ela. Lhe restava dormir, dar tempo às saudades.

quarta-feira, março 10, 2010

Oposto.

Olhava sempre aquelas fotos, mantinha o álbum sempre por perto, passava rapidamente olhos pelas mais tocantes, a maioria das vezes estava acompanhado, de amigos, que claro que não faziam idéia de quanto aqueles momentos eram importantes para ele. Os papéis ali por si só não faziam sentidos algum, mas sim aqueles olhos, eles perfuravam o papel fotográfico e vinha de encontro a suas pupilas, de qualquer lado, ângulo, aqueles olhos castanhos, nunca cansados, sempre os olhava, independente de onde estivesse, ela não parava, pelas fotos, ruas, computador, memórias.
Utópico pensar que o que mais o prendia, era o que precisava, e ao mesmo tempo precisava se livrar dela. Não fazia sentido ficar ali atado a essas memórias que lhe livravam do vazio. Claro que este era preenchido com tristeza, não gostava, rompia com seu cotidiano, não sabia o que era mais isso, seguia as vontades dela e assim feria a quase todos ao seu redor, não dava explicações e mesmo vivendo sob o rótulo de mal-humorado.
Repetia exaustivamente à ela, te amo, te amo. Ela sequer escutava, estava longe, não só fisicamente, sua mente pouco pairava sobre ele, mas quando pairava ficava mais tempo que o esperado.
Ele tinha certeza de que ela não sentia mais nada por ele, absolutamente não demonstrava nenhum tipo de apego por ele nem ao por ninguém, não que fosse antipática, mas era impossível demonstrar sentimentos desse nível por qualquer um.
Naquela noite em especial, estavam ligados mesmo que em pensamento grande parte do dia, e se falaram, ela se assemelhava bastante a quem conhecia por ser ela a um tempo atrás, não estava preocupado, sabia que ela era a única para si, e nisso não estava errado, já que tinha tentado com várias outras, e nada era capaz de satisfazê-lo e nem se achava tão critico assim, mas após ver o que era felicidade, não conseguia viver sem ter o melhor pra si, ela.
Mesmo mais próximos, nada havia mudado drasticamente, mesmo ela mais carente a distância se mantinha, com mínimos desdobramentos. Iam embora dali, quando ela se levantou caiu de sua bolsa uma foto, a mesma que ele havia pensado o dia inteiro, a mesma que não saía de sua cabeça. Se ofereceu para pegá-la, e ao fazê-lo se arrependeu de ter que devolvê-la rapidamente, comentou sua saudade referente à foto, ela simplesmente sorriu, e a guardou novamente, lhe deu um beijo na testa e um longo abraço, suas casas ficavam em direções opostas e pra ela rumaram, cada um pro seu próprio vazio.

segunda-feira, março 08, 2010

Fel.

Mais uma noite, mais uma apresentação, mais uma multidão entregue ao delírio, para ele era assim que as noites passavam naquele lugar. Era sim o sonho de muita gente, para ele nada importava muito, mesmo assim dava valor ao que vivia. Músicas, danças, acrobacias e bocejos se uniam de forma tão sublime junto às luzes que embriagavam qualquer um por lá, qualquer um exceto ele.
Ela estava lá naquela noite, não a via a mais de dois anos, e impressionante, continuava não sentindo nada por ela, todos o descreviam como frio, distante e pouco caloroso, e para ele não era um testemunho falso, não gostava de ser assim dia após dia, mas fazia isso com tamanha naturalidade que estava salvo a se sentir mar por tal atos.
Foi ao bar, pediu a mesma cerveja de todas as noites, enquanto o malte esfriava sua garganta ele olhava todas elas ali, alegres, disponíveis, dançantes, ele não se movia, de costas para o bar de frente para todos.
Ela dançava também, nada de especial, cabelos longos e lisos com uma franja que escondia um dos seus olhos azuis. Vestia um vestido justo que deixava o tórax e as coxas torneadas à mostra, e a curva dos quadris encantavam qualquer um ali naquele noite, qualquer um exceto ele.
Mesmo assim não fez nenhum movimento até acabar sua bebida, logo ao fim dela pediu outra, a mesma disse ele com voz forte e um pouco rouca, fazia mais de uma semana que não dormia bem, não sabia dizer se era o calor, o ócio ou qualquer outro fator que estivesse atrapalhando suas horas mais importantes do dia.
Ela continuava lá, não parecia esperar ninguém, talvez não, mas nunca confiava em sua visão míope, nada além de um metro podia ser visto com definição, nunca colocava seus óculos fora de casa.
Foi até ela, lhe disse um oi, e com certa falsidade perguntou de sobre a sua vida, não que quisesse realmente saber, pouco importava, mas achou que era oportuno, ela sorria, agora ela movia menos, mas mesmo assim não parava, olhos continham certo brilho, alguns italianos brindavam o local e deixavam certo romance no ar, tudo era mais fácil, as estruturas do local devido à altura balançavam um pouco, proporcionando um vai-e-vém confortante, quase tão confortante quanto as coxas delas, fazendo pressão frente às suas, confortante porém igual a anos atrás.
Noite após noite, ela retornava e retomavam o que haviam deixado para trás, claro que sem nenhuma perspectiva do amanhã que parecia constante, seu tênis branco já estava sujo, e tinha dias que preferia apreciá-la a distância junto a uma garrafa de cerveja do realmente vivenciar aquilo, não via nisso um problema, sua relação com mulheres se desgastava rapidamente, por mais gentil e interessante que fossem com todas.
Ela não era mais ingênua, tinha perdido todo o ar da inocência, ele se sentia o mesmo, e praticamente era, talvez agora estivesse mais experiente.
Naquela noite, tinha certeza que seria sua última e não colocaria mais os pés ali, o destino dela tampouco fazia diferença para ele, o céu estava diferente, tons azulados cobriam um céu estrelado e com uma lua tanto quando diferente, ela estava insaciável, ele seguia o ritmo da música, e certamente foi a última das noites juntos, porém o que mais fascinou aquela noite, não foi ela, afinal nunca tinha sido ela, mas a lua, aquela noite era outra, disso tinha certeza.

domingo, fevereiro 21, 2010

Foco.

Novos enquadramentos, locações, luzes, só não precisa de modelos, tinha a capacidade de fotografar o nada, e mesmo assim era extraordinário. Suas fotos serviam de inspiração a milhares de jovens aspirantes à fotografia, não vendia suas obras e o mais peculiar, não dava entrevista alguma. Quase nada sabiam de sua vida, talvez o máximo que conheciam era o endereço de sua casa estúdio, não haviam placas ou qualquer outra menção ao que se passava ali dentro.
Pelo mundo suas exposições mostravam o que talvez fosse por dentro, um vazio, cores frias, amplo enquadramento, a maioria das vezes desfocadas, um labirinto de emoções e ações que a cada composição se misturavam ao nada, sim ao nada, e era fato que ninguém conseguia explicar aquilo.
Ao contrário de qualquer artista contemporâneo não cobrava quase nada pelas suas exposições, tinha um único pedido aos organizadores, a entrada teria que ser sem custo, não dava mais motivos tampouco falava mais que isso para qualquer um que quisesse expor suas obras ao redor do mundo.
Uma vez dentro de sua casa, não oferecia a entrada além de uma sala, toda branca com dois sofás pretos, um de dois e o outro de três lugares, nenhum quadro, uma janela mais alta que o normal, sem cortinas, o cômodo tinha ainda mais três portas, nunca ficou sabendo de alguém que havia passado de mais de uma.
Desta maneira era impossível descrever como e o que ele era, não era muito expressivo, nunca triste tampouco nunca muito feliz, transparecia bem sendo um enigma a todos. A verdade é que pra ele a vida tinha que ser assim, tinha um passado inimaginável, e havia vivenciado coisas que pra maioria das pessoas não podia considerar normal, tinha em sua face as dobras do tempo que lhe escondiam as feridas que a guerra tinha causado, nenhuma delas era aparente, ainda exercia a mesma profissão, mas nunca havia divulgado aquelas fotos, o preço foi a demissão do exército por justa causa, e uma terceira porta de casa sempre fechada.

sábado, fevereiro 06, 2010

Perene.

Era a única que não podia eventualmente falhar, num contexto lógico seus anseios não podiam ser trabalhados, brilhante, não há o que reclamar, era o que pensava todos os dias antes de encostar sua cabeça no travesseiro, os cabelos recém cortados lhe davam uma sensação que a anos não tinha, última vez que havia cortado os cabelos foi ao ingressar na faculdade aos dezoito anos.
Nesse ponto de sua vida sabia que não tinha lugar nem para cair morta, quando se está a mercê do mundo você se transforma num problema, algo que deve ser evitado e jogado longe.
A sociedade faz isso por você, e com ela não seria diferente, já tinha sido utilizada ao máximo de sua capacidade e agora não importava mais, prestes a seu fim se lembrou que talvez não fossem todos que queriam esse fim a ela, fez pouco que pudesse se orgulhar, porém o que se orgulhava tinha tomado todo o seu tempo, e tinha feito com tanto amor que inexplicável o sentimento contido em cada ato feito.
E não seguia de fato nenhuma doutrina, religião, moda, seus instintos eram o único fator que a movia, e por eles fazia loucuras, muitas delas inesquecíveis, surreais e não usuais para a maioria das mulheres de sua idade, não tinha escrúpulos e era impressionante que fosse assim mesmo com uma memória tão boa, claro que o que saía dela era extremamente pensado da forma mais racional possível, sem danos a ninguém, só os necessários.
E se via morrer, dia após dia frente ao espelho sabia que não era a mesma a cada minuto mudava, de perene só sua voz, para maioria tanto diferente, para ele encantadora, só para ele.
E uma das coisas que podia ter certeza apesar de não saber, era que mesmo com o fim mostrando suas faces, sentia na espinha dorsal o que era dar um adeus a ninguém em especial, ele nunca a deixaria morrer, estaria sempre viva, e não de uma forma estática, sempre em sua mente, vivendo e a saboreando a cada dia, vivendo em uma nostalgia criativa, uma prisão pré-programa que se apresentava fielmente de maneira diária, aqui não existiam celas tampouco algemas, elas eram substituídas pela distância e incertezas, disso tinha certeza.

sexta-feira, fevereiro 05, 2010

Giratória.

O café derramado fora da xícara dava indícios que não seria um bom dia, resolveu tirar o paletó por hora e tomou com tranqüilidade seu café junto à um croissant com manteiga, o dia estava nublado, ótimo, pensou consigo mesmo.
Ironicamente pegou as chaves de casa e colocou sua carteira no bolso de trás, sempre no direito, saiu de casa e fechou a porta com convicção, após trancá-la notou que o corredor continuava estranho, pouca luz entrava pelas duas janelas uma em cada ponta dele, e de manhã misturado a sua dormência aquilo lugar era aterrorizador, acelerou o passo até os elevadores, estavam no quarto andar e teriam que subir mais seis para vir ao seu encontro, aguardou batendo com a ponta dos sapatos no solo e murmurando uma bossa qualquer. Tão logo o elevador chegou já estava nele, apertou o térreo com o polegar esquerdo e se enganou mais uma vez lembrando que não existia espelhos nos elevadores de seu prédio.
Mesmo assim ainda sentia um pouco de fome, não sabia ao certo o que viria pela frente, mas não podia perder mais tempo.
O tom cinzento que o céu proporcionava era bom, deixou seus óculos escuros no bolso do paletó mesmo, entrou em seu carro, não precisava de mapas, sabia exatamente onde iria.
Por cada esquina via caras felizes e tristes, tranquilas e apressadas, achava mágico quantas feições uma cidade grande propiciavam, deu seta à esquerda e avistou seu destino após vinte minutos, o banco estava lá, imponente, intransponível, improvável, pensou consigo mesmo.
Deu mais uma seta e adentrou no estacionamento subterrâneo da instituição, fechou o carro, o rapaz encarregado da segurança do local lhe fez um sinal de positivo, foi respondido com um leve movimento de pescoço, chamou o elevado com o mesmo polegar esquerdo, e desta vez pode arrumar a barba com as paredes espelhadas. Apenas um andar e estava no térreo, 4 vigilantes à mostra atrás das paredes de vidro brandindo pistolas calibre 38. e cacetes de borracha, jogou sua carteira e chaves no depósito ao lado da porta giratória e atravessou sem medo a eclusa, do outro lado quase se esqueceu de seus pertences mas ao segundo passo voltou por eles.
A gerente se instalava no segundo andar do edifício, olhou para a fila do elevador e desta vez preferiu às escadas, não confiava naquilo a não ser que ele mesmo chamasse, o carpete verde iludia os clientes quanto a tranqüilidade daquele local, deveria ser vermelho, e foi pensando nisso até ser chamado.
Ela era voraz e mais ambiciosa que o próprio banco, o demônio de saltos altos, ele não podia transparecer fraqueza alguma, ela sentiria e tudo iria por água abaixo, ela tinha um ar de arrogância e prepotência, levava aquela agência nas costas e era o pesadelo de inúmeros empresários e o pior, sabia disso.
Secretamente respirou profundamente, tomou coragem e finalmente disse: -“Volta pra casa?”

quinta-feira, fevereiro 04, 2010

Alento.

Tantos amigos e nada, nada acontecia, nada que realmente valesse a pena para ele. Retirou da tomada todos os telefones de casa, atirou o celular para o alto, estava aflito.
Ao passar daquela semana notou que nada mais o trazia a felicidade, desconhecia seu próprio sorriso, fez a barba, seu queixo estava mais branco que o resto do corpo, rejuvenesceu cerca de cinco anos com isso, mesmo assim não tinha certeza se era daquilo que precisava. Sua cabeça doía, remédios faziam efeito dia sim dia não, seus pulmões agiam de maneira estranha, mas não via algum diante de seus olhos.
Naquele sábado já estava de noite, havia acordado tarde, não tinha mais um lugar só seu, suas janelas pareciam se esconder do sol e nem cortinas tinha, tinha atraído quem queria para perto de si, e com mesma intensidade criava motivos para afastá-los, incrível pensava consigo, nada que fizesse teria resposta, ou teria?
Tinha como certeza que a solidão era uma ótima companheira, não lhe trazia arrependimentos e não o prendia em nada, sem motivos ele apreciava sua vida, seus álbuns de fotografia continuavam guardados mas os abria com tanta freqüência que pensava estar viciado na pequena sensação de humanidade que aquilo lhe proporcionava, as dores se tornavam aliadas tampouco fazia distinção delas, um amontoado de sentimentos mergulhados na solidão.
Anteriormente já havia se instalado nessa situação, mas era algo rápido nunca passava de três, quatro meses, pensava que havia aprendido a lidar com esse tipo de estado mental, mas não havia.
A verdade é que era um canalha, exatamente assim sem escrúpulos e não escondia isso de ninguém, pelo menos era honesto pensava, mudava de opinião freqüentemente e não tinha aversão alguma a exprimí-la, e como era ruim notava que não iria muito longe desta maneira, porém se sentia tão satisfeito sendo assim, por hora fazia as escolhas mais simples a si, claro que depois de algum tempo o peso de suas decisões o mutilavam, e não havia uma vez que não pagava o preço por suas atitudes.
Dor, ela lhe dava as faces novamente, aflito não tinha mais o que fazer, casa nem tão grande lhe parecia imensa frente ao imenso vazio que se expandia ocupando todos os cômodos da casa, mesmo o silêncio o irritava, nem mesmo o barulho dos aparatos eletrônicos o lhe traziam alento.
Não era mais possível fazer distinção do certo e errado, não se encaixava, não conseguia mais fingir, e todos entendiam que ele não dava a mínima, e estavam certos até aquele dia, naquela madrugada tomaria um rumo ou um café e iria para baixo do edredom, sozinho.

quarta-feira, fevereiro 03, 2010

Revista.

Agonizante, à via de noite, à via de dia, vontades tinha, não chorava, não vivia, de acordo com sua conduta o mais provável era que se afastasse, e foi isso que fez, por várias vezes, cada vez mais longe, até onde sua renda o mantesse, e o fazia sem medo, comprava passagens só de ida em qualquer aeroporto.
Esses lugares lhe pareciam mágicos, podia escolher praticamente qualquer país do mundo e em questão de horas estar lá, claro que as poltronas e o tratamento especial era aditivos à sua paixão por aeroportos.
Porém ficava fácil perceber que ele não podia manter-se desta forma, depois de semanas voltava com os rabos entre as pernas, feliz, repleto de assunto, mas sem ter para quem contar, o vazio era um ótimo espectador no entanto péssimo para conversar, e era disso que precisava naquele momento, alguém para se abrir, refletir, relevar sua opinião mesmo que irrelevante.
Cada cidade do mundo trazia certa peculiaridade especial, um sorriso marcante de cada morador ou uma breve mordiscada nos lábios de uma mulher prevendo uma chuva torrencial frente à um céu escurecido pelas nuvens. Ele sabia que não estaria em todas, e isso lhe trazia uma certa dor, pequena perto da outra, agonizante.
Sempre que voltava sentia-se inexplicavelmente parecido, independente de quão boa ou ruim a experiência tinha sido, ela fazia se fazia presente na saudade, já tinha jurado inúmera vezes que não se sentiria assim, nunca mais olharia para trás, inútil, se engava desta forma, e voltava, a amava.
A cada carimbo no passaporte, o teto de seu peito desabava, outonos inteiros de renúncia à aquele sorriso, avião nenhum tirava aqueles olhos de sua memória, o século XXI lhe trazia notícias de qualquer lado do mundo, mas a única coisa que realmente era saber de verdade, era dela, um “como vai você?” e que fosse respondido de forma verdadeira. Nada de conversar mecanizadas e agradáveis. “Viajo porque preciso, volto porque te amo”, nunca uma revista de avião lhe havia feito tanto sentido.

terça-feira, fevereiro 02, 2010

Escada.

A verdade é que ela estava sendo extremamente sociável, e ele mesmo embriagado tinha medo disso. O fato de correr atrás de um “não” não fazia sentido à sua cabeça. A dias ele não sabia como lidar com esse emaranhado de informações e emoções. Não a via a meses, talvez pessoalmente nem a conhecesse mais, como estariam seus cabelos, roupas, trejeitos, passava grande parte de seu tempo imaginando como ela estava, não se sentia seguro o suficiente para perguntá-la, nem achava correto, se comentasse isso com alguém seria ridicularizado por todos é verdade. Permanecia calado.
Ao passar dos meses, ela mesmo não sabia o que sentia, tinha dias que era evidente que sentia sua falta, mas eram dias, não tinha certeza se permaneceria acontecendo isso por muito tempo, mas era admissível uma pequena carência, por mais que machucasse um pouco, para ela talvez fosse melhor que sentir isso do que voltar ao que sentia antes, com ele. Permanecia assim, quieta, longe mas nem tanto.
Acessibilidade para ele deixava no ar sempre um certo ar de desconfiança, sim lhe chamavam de pessimista e assentia sorrindo com a cabeça, sempre pensava no pior que pudesse acontecer em qualquer situação, assim sabia que quanto menor as expectativas menores as decepções e ao mesmo tempo uma satisfação tanto quanto aceitável.
Quanto mais tempo passava mais dúvidas entravam em suas cabeças, não sabiam tão bem quanto se portar, se cada palavra era adequada ao momento e mais uma imensidão de pensamentos girava na mente de cada um, que seriam impensáveis anos atrás. Pareciam fantoches, diziam frases prontas, agiam de maneira esperada e explicávelmente sem graça, viviam aquela mentira juntos, por afeto faziam isso e pelo mesmo afeto sentiam carinho nisso e tinham medo de perder aquilo, para qualquer outro casal aquilo poderia parecer simplesmente ridículo, para os dois era aceitável, nem céu nem inferno um purgatório. Ali parecia não existir surpresas, tudo era previsível e pouco mas confortador.
Era o que ambos pensavam, mas naquela noite tinham suas mãos nos aparelhos telefônicos ao mesmo tempo, talvez pensassem um no outro, talvez não, nenhum dos dois o soltava, nem se soltavam, a melhor escolha simplesmente não aparecia, e qualquer aproximação dessa forma talvez fosse um passo muito grande, aparentemente a mesma que levava para cima também o levava para baixo.

segunda-feira, fevereiro 01, 2010

Aberto.

Ela lhe trazia mais emoções que todos os fascínios da cidade de Paris juntos. Talvez não, raramente se importava com alguma cidade, e São Paulo lhe propunha quase tudo que pudesse imaginar, mesmo assim ainda perdia dela.
A madrugada tinha dado suas caras, e na televisão passava aquele jogo com raquetes, bola amarela e uma rede, ao vivo transmitia a disputa, gemidos e urros lhe brindavam mais uma noite solitária. Não tinha vontade alguma de continuar forçando seus olhos naquilo, mal via a bola e cada vez mais apertava seus olhos. A desligou, rumou a janela, como a cidade dormia bem, nenhum barulho sequer, mal existiam luzes acesas também, talvez dormissem e passou pela sua cabeça que talvez devesse fazer o mesmo, fitou a cama por um instante, relutou, mas mesmo assim se jogou nela, uma cama de solteiro simples, com dois travesseiros e nada para se cobrir, afinal fazia muito calor em janeiro.
Uma hora e meia deitado, não tinha um relógio em mãos mas acreditava que esse tinha sido o tempo que ficara ali contemplando o teto de seu quarto. Dormir não era fácil, acessos de insônia tinham virado rotina. Não fazia nada a respeito, acreditava que a maioria das coisas eram psicológicas, ou acontecem por simplesmente tem que acontecer. Passava a maioria de suas noites assim contemplando o teto e as paredes em seu redor.
Excepcionalmente hoje não pensava nela, claro que era inevitável não lembrar dela ao longo dos dias, mas lembrar e pensar são coisas totalmente distintas. Ela por sua vez no outro lado da cidade o escrevia, talvez ele nunca fosse ler aquele caderno cheio de letras e talvez nenhuma razão, mas o importante é que era para ele, ela não se permitisse dizer ou viver esse pensamento, mas precisava exprimí-lo de alguma forma, o caderno e a caneta preta estavam sempre ali e nunca a julgavam, ela era diferente a cada dia, não existia em si uma prioridade de se manter estável, dificilmente reagia da mesma forma a mesmos estímulos, se tornando ilegível para qualquer pessoa normal. Ele certamente a amava por isso, ela não imaginava, simplesmente era assim, e sua teimosia não permitia enxergar que mais ninguém partilhava dessa personalidade.
Não sabia como agir ao certo, ela tinha pedido distância, a primeiro momento ele nunca iria processar aquilo da forma correta, e não que exista uma, mas errou e acreditava no erro a cada dia. Só tornou mais fácil para ela, afastaram de maneira exemplar, mas a verdade é que nunca conseguiram ficar muito tempo longe, não se conheciam a mais de um par de anos, e nunca alguém em tão pouco tempo havia proporcionado tantas mudanças respectivamente.
Simples como chuva que cai sistematicamente todo dia na floresta amazônica eles precisavam um ao outro, e nessas trocas de palavras por mais que fossem rotineiras, e a um primeiro momento frias, lhes trazia um pequeno acalanto, um frescor diferente e inovador rejuvenescia pouco a pouco cada vez que um precisava do outro, intrigante notar que nessas horas cada um era único, nenhum ou nenhuma outra tomava esse espaço, insubstituível seria a palavra correta.
Ele ainda não tinha dormido, pensava que ela já deveria estar sonhando, estava no terceiro set, ele apenas pensava.

domingo, janeiro 31, 2010

Amargo.

Era domingo, na televisão passavam os mesmos filmes, e ele assistia um em especial, já sabia quase que de cor as falas e acontecimentos, mas notou que nunca tinha notado e dado valor aos detalhes e o que eles representavam. Claro que num primeiro momento achou que o diretor não tinha pensado em tudo aquilo, e sim nas maioria das vezes não tem mesmo, mas deixou de lado esse pensamento já que era menos importante. Quero ser grande, era o desejo do garoto à máquina cigana, dizia essas palavras do fundo de sua alma, certamente não queria outra coisa em vida, e sim, foi concedido. Ele foge, chora, arruma um emprego, aprende a gostar do mundo, e como gosta. Uma mulher torna as coisas muito mais fáceis e lhe dá a noção exata de como a vida passa a ser, ele descomplica tudo com sorrisos e frases monossilábicas, quão simples ele era.
Claro que o tempo lhe tornava menos infantil, mas não levava o brilho de seu sorriso assim tão fácil. Sentiu o peso de sua decisão, tinha alguém morando junto com ele, era vice presidente de uma empresa, e o mundo explodindo ao ser redor. Explodiria junto? Não, tentou explicar a ela que num primeiro momento nunca acreditaria em tal história, ele por sua vez voltou a máquina cigana e desta vez mais do fundo da alma desejou, quero ser criança. Quando ela chegou já era tarde, ele continuava o mesmo de sempre, porém mais sincero agora, aceitou uma carona para casa, lá ela lhe deu um beijo na testa e ele se foi. Nesta parte do filme que quase tinha perdido espaço para um eventual cochilo ele percebeu que talvez aquele gesto seria o mais importante da história, e também da dele, grandes despedidas sempre se anunciavam da mesma forma.
Péssimo presságio, aquele beijo, verdadeiro, sincero e complicado, e o pior que não apenas sofria com aquilo, já havia o provocado algumas vezes e com ele vinha um amargo ar de incerteza.
Como odiava esse sentimento, por mais que a coisa certa estava sendo feita, toda essa convicção apoiada em pilares fracos e incoerentes, pensando sempre ao longo prazo, perdia o brilho e o frescor de se viver o presente, não se dava conta que era nele que precisava ser pensado, o passado já tinha ido e a futuro não existe, um pleno presente contínuo é o que vivemos, e estamos fadados a essa máxima até o fim de nossos dias, essa é uma certeza, uma das únicas, e mesmo assim não conseguia aceitá-la.

sábado, janeiro 30, 2010

Presença.

Era fim de ano, todos juntos, não todos, aqueles que se dispunham, e era óbvio para ele que isso não era o bastante. Dezembro chegava e com ele todas as falsidades desnecessárias também o acompanhavam, ficava incrédulo de ver que naquele período do ano principalmente entre familiares tudo se perdoava, tudo era válido, a companhia de todos ficava acima de tudo. E que até certo momento via que era algo bom, até notar que com o fim daquele ano, as pessoas por mais que tivessem feitos todas as promessas e metas para o novo ano, e algumas eram até cumpridas, tudo voltava ao mesmo de antes do dia vinte e cinco.
Sua família era extremamente metódica sobre a celebração de natal, todos juntos até a meia noite, numa noite regada a presentes e cerveja. E fazia sentido, ano após ano nunca foi capaz de reclamar nada sobre isso, porém cada vez mais velho, conhecendo e perdendo gente a cada mês, sabia que simplesmente ali, por melhor que fosse, faltava alguém. E não conseguia falar sobre isso por que nunca soube definir esse alguém, mesmo que tivesse uma em especial em sua mente, não saberia dizer se aquela presença tornaria tudo mágico. Uma presença com ele representaria uma renúncia a integrante de outra família e era impensável a reunião de ambas, e a renúncia era algo forte que talvez sua mentalidade metódica nunca permitisse.
E as madrugadas continuavam iguais, salva aquele ano que havia sido espetacular, as de agora eram falhas, sem nenhum brilho, nenhuma especial para ficar na memória, eram todas acopladas em sua mente como se não houvesse distinção de ano, e neste ano, lá pelas quatro e quinze da manhã que chegou numa conclusão mais do que óbvia, saudades das saudades.

sexta-feira, janeiro 29, 2010

Gancho.

Já era tarde e devia estar dormindo já, não estava de férias, foi o que fez, tirou suas vestimentas casuais e se jogou em meio a cobertas e travesseiros de sua cama, foi ai que notou que o cheiro ali não era o dele, tampouco o dela. Nada mais justo o dela ter saído dali, fazia tempo que não passava perto daquele quarto e consequentemente de sua casa. Era algo que lhe intrigava profundamente, mesmo assim antes de dormir, aquele perfume não havia deixado o travesseiro, o sentia noite pós noite, e sim, era delicioso. Há algum tempo pensava ser um tipo de paranóia interna sua, mas ao longo do tempo, se acostumou a idéia e até então era uma forma boa de reviver o que de bom tinha acontecido entre os dois. O mais estranho é que mesmo com outras mulheres recostando a cabeça ali, e algumas com perfumes insuportáveis, mais sufocantes que elevador lotado nunca tomavam espaço daquele cheiro. E não era algo generalizado, nenhuma roupa sua tinha aquela fragrância e nem o canto esquerdo do sofá, que tinha ficado com o formato dos dois sentados assistindo os mais diversos filmes exalava nenhum cheiro.
Não entendia então como aquele cheiro não estava mais lá, lhe dava um conforto enorme, antes de cada repouso sentia aquela pureza, e a cada despertar o enchia de energia, já não sabia se conseguiria dormir aquela noite, olhou para o relógio, marcavam três e trinta e três da manhã, número peculiar mas pouco importava o desespero rondava sua cabeça. Passou em sua cabeça a idéia estúpida de ligar para e ela, mesmo sem ter o que falar. Não se deixou levar pelo impulso, só pioraria as coisas, recentemente ela estava sendo cada vez mais acessível, e parecia ter se tornado uma pessoa extremamente diferente do que era, não tinha certeza se era bom ou ruim, para ela parecia fazer a diferença, logo ficava feliz em ser o mais diferente possível dentro de suas doutrinas, nunca traía suas máximas, e eram tantas que não achava mais possível listá-las. Devolveu o telefone ao gancho, olhou para o teto, nada, pela janela era fácil constatar que a cidade dormia, até alguns postes da rua acompanhavam esse sono e permaneciam apagados, ele não.