domingo, fevereiro 21, 2010

Foco.

Novos enquadramentos, locações, luzes, só não precisa de modelos, tinha a capacidade de fotografar o nada, e mesmo assim era extraordinário. Suas fotos serviam de inspiração a milhares de jovens aspirantes à fotografia, não vendia suas obras e o mais peculiar, não dava entrevista alguma. Quase nada sabiam de sua vida, talvez o máximo que conheciam era o endereço de sua casa estúdio, não haviam placas ou qualquer outra menção ao que se passava ali dentro.
Pelo mundo suas exposições mostravam o que talvez fosse por dentro, um vazio, cores frias, amplo enquadramento, a maioria das vezes desfocadas, um labirinto de emoções e ações que a cada composição se misturavam ao nada, sim ao nada, e era fato que ninguém conseguia explicar aquilo.
Ao contrário de qualquer artista contemporâneo não cobrava quase nada pelas suas exposições, tinha um único pedido aos organizadores, a entrada teria que ser sem custo, não dava mais motivos tampouco falava mais que isso para qualquer um que quisesse expor suas obras ao redor do mundo.
Uma vez dentro de sua casa, não oferecia a entrada além de uma sala, toda branca com dois sofás pretos, um de dois e o outro de três lugares, nenhum quadro, uma janela mais alta que o normal, sem cortinas, o cômodo tinha ainda mais três portas, nunca ficou sabendo de alguém que havia passado de mais de uma.
Desta maneira era impossível descrever como e o que ele era, não era muito expressivo, nunca triste tampouco nunca muito feliz, transparecia bem sendo um enigma a todos. A verdade é que pra ele a vida tinha que ser assim, tinha um passado inimaginável, e havia vivenciado coisas que pra maioria das pessoas não podia considerar normal, tinha em sua face as dobras do tempo que lhe escondiam as feridas que a guerra tinha causado, nenhuma delas era aparente, ainda exercia a mesma profissão, mas nunca havia divulgado aquelas fotos, o preço foi a demissão do exército por justa causa, e uma terceira porta de casa sempre fechada.

sábado, fevereiro 06, 2010

Perene.

Era a única que não podia eventualmente falhar, num contexto lógico seus anseios não podiam ser trabalhados, brilhante, não há o que reclamar, era o que pensava todos os dias antes de encostar sua cabeça no travesseiro, os cabelos recém cortados lhe davam uma sensação que a anos não tinha, última vez que havia cortado os cabelos foi ao ingressar na faculdade aos dezoito anos.
Nesse ponto de sua vida sabia que não tinha lugar nem para cair morta, quando se está a mercê do mundo você se transforma num problema, algo que deve ser evitado e jogado longe.
A sociedade faz isso por você, e com ela não seria diferente, já tinha sido utilizada ao máximo de sua capacidade e agora não importava mais, prestes a seu fim se lembrou que talvez não fossem todos que queriam esse fim a ela, fez pouco que pudesse se orgulhar, porém o que se orgulhava tinha tomado todo o seu tempo, e tinha feito com tanto amor que inexplicável o sentimento contido em cada ato feito.
E não seguia de fato nenhuma doutrina, religião, moda, seus instintos eram o único fator que a movia, e por eles fazia loucuras, muitas delas inesquecíveis, surreais e não usuais para a maioria das mulheres de sua idade, não tinha escrúpulos e era impressionante que fosse assim mesmo com uma memória tão boa, claro que o que saía dela era extremamente pensado da forma mais racional possível, sem danos a ninguém, só os necessários.
E se via morrer, dia após dia frente ao espelho sabia que não era a mesma a cada minuto mudava, de perene só sua voz, para maioria tanto diferente, para ele encantadora, só para ele.
E uma das coisas que podia ter certeza apesar de não saber, era que mesmo com o fim mostrando suas faces, sentia na espinha dorsal o que era dar um adeus a ninguém em especial, ele nunca a deixaria morrer, estaria sempre viva, e não de uma forma estática, sempre em sua mente, vivendo e a saboreando a cada dia, vivendo em uma nostalgia criativa, uma prisão pré-programa que se apresentava fielmente de maneira diária, aqui não existiam celas tampouco algemas, elas eram substituídas pela distância e incertezas, disso tinha certeza.

sexta-feira, fevereiro 05, 2010

Giratória.

O café derramado fora da xícara dava indícios que não seria um bom dia, resolveu tirar o paletó por hora e tomou com tranqüilidade seu café junto à um croissant com manteiga, o dia estava nublado, ótimo, pensou consigo mesmo.
Ironicamente pegou as chaves de casa e colocou sua carteira no bolso de trás, sempre no direito, saiu de casa e fechou a porta com convicção, após trancá-la notou que o corredor continuava estranho, pouca luz entrava pelas duas janelas uma em cada ponta dele, e de manhã misturado a sua dormência aquilo lugar era aterrorizador, acelerou o passo até os elevadores, estavam no quarto andar e teriam que subir mais seis para vir ao seu encontro, aguardou batendo com a ponta dos sapatos no solo e murmurando uma bossa qualquer. Tão logo o elevador chegou já estava nele, apertou o térreo com o polegar esquerdo e se enganou mais uma vez lembrando que não existia espelhos nos elevadores de seu prédio.
Mesmo assim ainda sentia um pouco de fome, não sabia ao certo o que viria pela frente, mas não podia perder mais tempo.
O tom cinzento que o céu proporcionava era bom, deixou seus óculos escuros no bolso do paletó mesmo, entrou em seu carro, não precisava de mapas, sabia exatamente onde iria.
Por cada esquina via caras felizes e tristes, tranquilas e apressadas, achava mágico quantas feições uma cidade grande propiciavam, deu seta à esquerda e avistou seu destino após vinte minutos, o banco estava lá, imponente, intransponível, improvável, pensou consigo mesmo.
Deu mais uma seta e adentrou no estacionamento subterrâneo da instituição, fechou o carro, o rapaz encarregado da segurança do local lhe fez um sinal de positivo, foi respondido com um leve movimento de pescoço, chamou o elevado com o mesmo polegar esquerdo, e desta vez pode arrumar a barba com as paredes espelhadas. Apenas um andar e estava no térreo, 4 vigilantes à mostra atrás das paredes de vidro brandindo pistolas calibre 38. e cacetes de borracha, jogou sua carteira e chaves no depósito ao lado da porta giratória e atravessou sem medo a eclusa, do outro lado quase se esqueceu de seus pertences mas ao segundo passo voltou por eles.
A gerente se instalava no segundo andar do edifício, olhou para a fila do elevador e desta vez preferiu às escadas, não confiava naquilo a não ser que ele mesmo chamasse, o carpete verde iludia os clientes quanto a tranqüilidade daquele local, deveria ser vermelho, e foi pensando nisso até ser chamado.
Ela era voraz e mais ambiciosa que o próprio banco, o demônio de saltos altos, ele não podia transparecer fraqueza alguma, ela sentiria e tudo iria por água abaixo, ela tinha um ar de arrogância e prepotência, levava aquela agência nas costas e era o pesadelo de inúmeros empresários e o pior, sabia disso.
Secretamente respirou profundamente, tomou coragem e finalmente disse: -“Volta pra casa?”

quinta-feira, fevereiro 04, 2010

Alento.

Tantos amigos e nada, nada acontecia, nada que realmente valesse a pena para ele. Retirou da tomada todos os telefones de casa, atirou o celular para o alto, estava aflito.
Ao passar daquela semana notou que nada mais o trazia a felicidade, desconhecia seu próprio sorriso, fez a barba, seu queixo estava mais branco que o resto do corpo, rejuvenesceu cerca de cinco anos com isso, mesmo assim não tinha certeza se era daquilo que precisava. Sua cabeça doía, remédios faziam efeito dia sim dia não, seus pulmões agiam de maneira estranha, mas não via algum diante de seus olhos.
Naquele sábado já estava de noite, havia acordado tarde, não tinha mais um lugar só seu, suas janelas pareciam se esconder do sol e nem cortinas tinha, tinha atraído quem queria para perto de si, e com mesma intensidade criava motivos para afastá-los, incrível pensava consigo, nada que fizesse teria resposta, ou teria?
Tinha como certeza que a solidão era uma ótima companheira, não lhe trazia arrependimentos e não o prendia em nada, sem motivos ele apreciava sua vida, seus álbuns de fotografia continuavam guardados mas os abria com tanta freqüência que pensava estar viciado na pequena sensação de humanidade que aquilo lhe proporcionava, as dores se tornavam aliadas tampouco fazia distinção delas, um amontoado de sentimentos mergulhados na solidão.
Anteriormente já havia se instalado nessa situação, mas era algo rápido nunca passava de três, quatro meses, pensava que havia aprendido a lidar com esse tipo de estado mental, mas não havia.
A verdade é que era um canalha, exatamente assim sem escrúpulos e não escondia isso de ninguém, pelo menos era honesto pensava, mudava de opinião freqüentemente e não tinha aversão alguma a exprimí-la, e como era ruim notava que não iria muito longe desta maneira, porém se sentia tão satisfeito sendo assim, por hora fazia as escolhas mais simples a si, claro que depois de algum tempo o peso de suas decisões o mutilavam, e não havia uma vez que não pagava o preço por suas atitudes.
Dor, ela lhe dava as faces novamente, aflito não tinha mais o que fazer, casa nem tão grande lhe parecia imensa frente ao imenso vazio que se expandia ocupando todos os cômodos da casa, mesmo o silêncio o irritava, nem mesmo o barulho dos aparatos eletrônicos o lhe traziam alento.
Não era mais possível fazer distinção do certo e errado, não se encaixava, não conseguia mais fingir, e todos entendiam que ele não dava a mínima, e estavam certos até aquele dia, naquela madrugada tomaria um rumo ou um café e iria para baixo do edredom, sozinho.

quarta-feira, fevereiro 03, 2010

Revista.

Agonizante, à via de noite, à via de dia, vontades tinha, não chorava, não vivia, de acordo com sua conduta o mais provável era que se afastasse, e foi isso que fez, por várias vezes, cada vez mais longe, até onde sua renda o mantesse, e o fazia sem medo, comprava passagens só de ida em qualquer aeroporto.
Esses lugares lhe pareciam mágicos, podia escolher praticamente qualquer país do mundo e em questão de horas estar lá, claro que as poltronas e o tratamento especial era aditivos à sua paixão por aeroportos.
Porém ficava fácil perceber que ele não podia manter-se desta forma, depois de semanas voltava com os rabos entre as pernas, feliz, repleto de assunto, mas sem ter para quem contar, o vazio era um ótimo espectador no entanto péssimo para conversar, e era disso que precisava naquele momento, alguém para se abrir, refletir, relevar sua opinião mesmo que irrelevante.
Cada cidade do mundo trazia certa peculiaridade especial, um sorriso marcante de cada morador ou uma breve mordiscada nos lábios de uma mulher prevendo uma chuva torrencial frente à um céu escurecido pelas nuvens. Ele sabia que não estaria em todas, e isso lhe trazia uma certa dor, pequena perto da outra, agonizante.
Sempre que voltava sentia-se inexplicavelmente parecido, independente de quão boa ou ruim a experiência tinha sido, ela fazia se fazia presente na saudade, já tinha jurado inúmera vezes que não se sentiria assim, nunca mais olharia para trás, inútil, se engava desta forma, e voltava, a amava.
A cada carimbo no passaporte, o teto de seu peito desabava, outonos inteiros de renúncia à aquele sorriso, avião nenhum tirava aqueles olhos de sua memória, o século XXI lhe trazia notícias de qualquer lado do mundo, mas a única coisa que realmente era saber de verdade, era dela, um “como vai você?” e que fosse respondido de forma verdadeira. Nada de conversar mecanizadas e agradáveis. “Viajo porque preciso, volto porque te amo”, nunca uma revista de avião lhe havia feito tanto sentido.

terça-feira, fevereiro 02, 2010

Escada.

A verdade é que ela estava sendo extremamente sociável, e ele mesmo embriagado tinha medo disso. O fato de correr atrás de um “não” não fazia sentido à sua cabeça. A dias ele não sabia como lidar com esse emaranhado de informações e emoções. Não a via a meses, talvez pessoalmente nem a conhecesse mais, como estariam seus cabelos, roupas, trejeitos, passava grande parte de seu tempo imaginando como ela estava, não se sentia seguro o suficiente para perguntá-la, nem achava correto, se comentasse isso com alguém seria ridicularizado por todos é verdade. Permanecia calado.
Ao passar dos meses, ela mesmo não sabia o que sentia, tinha dias que era evidente que sentia sua falta, mas eram dias, não tinha certeza se permaneceria acontecendo isso por muito tempo, mas era admissível uma pequena carência, por mais que machucasse um pouco, para ela talvez fosse melhor que sentir isso do que voltar ao que sentia antes, com ele. Permanecia assim, quieta, longe mas nem tanto.
Acessibilidade para ele deixava no ar sempre um certo ar de desconfiança, sim lhe chamavam de pessimista e assentia sorrindo com a cabeça, sempre pensava no pior que pudesse acontecer em qualquer situação, assim sabia que quanto menor as expectativas menores as decepções e ao mesmo tempo uma satisfação tanto quanto aceitável.
Quanto mais tempo passava mais dúvidas entravam em suas cabeças, não sabiam tão bem quanto se portar, se cada palavra era adequada ao momento e mais uma imensidão de pensamentos girava na mente de cada um, que seriam impensáveis anos atrás. Pareciam fantoches, diziam frases prontas, agiam de maneira esperada e explicávelmente sem graça, viviam aquela mentira juntos, por afeto faziam isso e pelo mesmo afeto sentiam carinho nisso e tinham medo de perder aquilo, para qualquer outro casal aquilo poderia parecer simplesmente ridículo, para os dois era aceitável, nem céu nem inferno um purgatório. Ali parecia não existir surpresas, tudo era previsível e pouco mas confortador.
Era o que ambos pensavam, mas naquela noite tinham suas mãos nos aparelhos telefônicos ao mesmo tempo, talvez pensassem um no outro, talvez não, nenhum dos dois o soltava, nem se soltavam, a melhor escolha simplesmente não aparecia, e qualquer aproximação dessa forma talvez fosse um passo muito grande, aparentemente a mesma que levava para cima também o levava para baixo.

segunda-feira, fevereiro 01, 2010

Aberto.

Ela lhe trazia mais emoções que todos os fascínios da cidade de Paris juntos. Talvez não, raramente se importava com alguma cidade, e São Paulo lhe propunha quase tudo que pudesse imaginar, mesmo assim ainda perdia dela.
A madrugada tinha dado suas caras, e na televisão passava aquele jogo com raquetes, bola amarela e uma rede, ao vivo transmitia a disputa, gemidos e urros lhe brindavam mais uma noite solitária. Não tinha vontade alguma de continuar forçando seus olhos naquilo, mal via a bola e cada vez mais apertava seus olhos. A desligou, rumou a janela, como a cidade dormia bem, nenhum barulho sequer, mal existiam luzes acesas também, talvez dormissem e passou pela sua cabeça que talvez devesse fazer o mesmo, fitou a cama por um instante, relutou, mas mesmo assim se jogou nela, uma cama de solteiro simples, com dois travesseiros e nada para se cobrir, afinal fazia muito calor em janeiro.
Uma hora e meia deitado, não tinha um relógio em mãos mas acreditava que esse tinha sido o tempo que ficara ali contemplando o teto de seu quarto. Dormir não era fácil, acessos de insônia tinham virado rotina. Não fazia nada a respeito, acreditava que a maioria das coisas eram psicológicas, ou acontecem por simplesmente tem que acontecer. Passava a maioria de suas noites assim contemplando o teto e as paredes em seu redor.
Excepcionalmente hoje não pensava nela, claro que era inevitável não lembrar dela ao longo dos dias, mas lembrar e pensar são coisas totalmente distintas. Ela por sua vez no outro lado da cidade o escrevia, talvez ele nunca fosse ler aquele caderno cheio de letras e talvez nenhuma razão, mas o importante é que era para ele, ela não se permitisse dizer ou viver esse pensamento, mas precisava exprimí-lo de alguma forma, o caderno e a caneta preta estavam sempre ali e nunca a julgavam, ela era diferente a cada dia, não existia em si uma prioridade de se manter estável, dificilmente reagia da mesma forma a mesmos estímulos, se tornando ilegível para qualquer pessoa normal. Ele certamente a amava por isso, ela não imaginava, simplesmente era assim, e sua teimosia não permitia enxergar que mais ninguém partilhava dessa personalidade.
Não sabia como agir ao certo, ela tinha pedido distância, a primeiro momento ele nunca iria processar aquilo da forma correta, e não que exista uma, mas errou e acreditava no erro a cada dia. Só tornou mais fácil para ela, afastaram de maneira exemplar, mas a verdade é que nunca conseguiram ficar muito tempo longe, não se conheciam a mais de um par de anos, e nunca alguém em tão pouco tempo havia proporcionado tantas mudanças respectivamente.
Simples como chuva que cai sistematicamente todo dia na floresta amazônica eles precisavam um ao outro, e nessas trocas de palavras por mais que fossem rotineiras, e a um primeiro momento frias, lhes trazia um pequeno acalanto, um frescor diferente e inovador rejuvenescia pouco a pouco cada vez que um precisava do outro, intrigante notar que nessas horas cada um era único, nenhum ou nenhuma outra tomava esse espaço, insubstituível seria a palavra correta.
Ele ainda não tinha dormido, pensava que ela já deveria estar sonhando, estava no terceiro set, ele apenas pensava.