quarta-feira, julho 27, 2011

Zoom.

Olhava para cima como se algo pudesse ajudá-lo, as nuvens dançavam no azul do céu enquanto sua mente girava pela terra.
Todos sabiam, ele não era assim, não conseguia definir mais nada, abria a janela, a fitava por minutos seguidos. Estava longe dali, apenas tirava da frente suas obrigações sem sequer pensar nelas. Esperar em vão o dia da resolução não adiantaria nada, seus dedos ganhavam vontade própria e assim faziam o que bem entendiam, ele só assistia aquilo tudo, mas até quando essa vista de camarote seria oportuna?
Mal podia notar seus próprios movimentos e os dias acabavam em um instante e as noites eram longas, cansativas. Se perdia nos séculos passados, mesmo não estando no mesmo lugar de sempre, gaguejava francês, sentia o frio de São Petersburgo e esperavam os barcos de Cartagena chegar, só podia estar ficando maluco, como se já não fosse o suficiente.
Algo que aos poucos tomava tamanha proporção não podia ser ignorado, gastava sua produtividade em horários errados e depois ficava entregue ao alento, não saía mais pelas ruas, não pelo frio,  mas pela canseira.
E por ela deixava tudo de lado, quando se está assim, nunca está pleno, sólido. As olheiras tinham incorporado tão bem à sua face que pensava  já ter nascido com elas, a procura de substantivos fúteis tropeçava entre vielas estreitas da razão, luzes apagadas, zoom instaurado, não achava ninguém, não procurava ninguém, só olhava para todos os lugares tão vazios quanto ele.

quinta-feira, julho 21, 2011

Notícia.

Não tinha nada de errado com ela, ele que era uma péssima companhia, sabia que algo estava errado e deixava passar, não sabia como agir e deixava que o tempo resolvesse. Portanto não se fazia necessário, via a felicidade transparecendo sob o rosto dela, sabia que tinha dúvidas, problemas e mesmo assim ficava de mãos atadas e como num jogo de cartas marcadas sabia bem onde tudo terminaria, desespero e péssimas memórias de sua omissão, prazer esse era seu cartão de visitas.
Virava copos tão rápidos quanto as catracas do metrô, mas nada girava, lia seu nome em tantos lugares que tinha horas que simplesmente aceitava a loucura, não pensava em compartilhar isso  com ninguém.
Tudo fazia sentido, nela que pensava, ela era quem via, mesmo em outros rostos, ninguém conseguia com exatidão roubar aquelas qualidades, só sua loucura impunha esses contrapontos a razão.
De amor pra amor, a porta não abriria, não haveria mais olhares, ninguém se envolveria, quem haveria cansado e abusado da regra onde menos vale mais? De primeira vez, ele tinha derramado as lágrimas, com o passar do tempo sabia que não haveria perdão que não cansasse de perdoar.
Com a maçaneta trancada e as janelas abertas sentia um pouco da liberdade, olhava os aviões pela noite, longe, alto, tão cheios de razão, com a vista panorâmica podiam desdenhar de qualquer aventureiro perdido, afinal o amor deveria ser mais que lágrimas e remorsos, só precisava disso, uma boa notícia.

terça-feira, julho 12, 2011

Miopia.

“Não era disciplinado por virtude, e sim como reação contra a própria negligência; parecia ser generoso para encobrir a mesquinhez, que se fazia passar por prudente quando na verdade era desconfiado e sempre pensava o pior, que era conciliador para não sucumbir às próprias cóleras reprimidas que só era pontual para que ninguém saiba como pouco lhe importa o tempo alheio.”
Fechou o livro, apagou as luzes, não precisava de mais nenhum barulho naquela noite, a sensação de abandonar o livro era horrível, precisava de mais histórias, mais pessoas se perdendo pelo amor, defrontando toda a existência da razão, queria qualquer um que não fosse ele.
Histórias alheias podiam conter todas as emoções e reviravoltas intrigantes necessárias para uma vida, queria a sua tranquila, tinha em mente que nunca conseguiria isso.
Acordou, no mesmo minuto de todos os dias, esperou que o despertador também acordasse para começar tudo, igual como sempre, padrões por toda volta, mesmo tempo de banho, mesmas ruas, mesmo chocolate quente. Aquele mês não estava sendo solidário consigo mesmo.
Sua casa estava mais parecendo uma porta malas de trem e não só ela estava totalmente desarrumada, nada realmente estava ali de verdade, só de passagem, assim como ele de longe tentava avistar tudo, sua miopia não deixava.
Mesmo assim não faria nada para arrumar sua vista, tinha se apaixonado por tudo desta maneira, sem definição, sem menores detalhes, o todo, mesmo que embaçado era fascinante por si só, abraçaria quem precisasse e passaria todas as noites assim, seguindo somente sua vontade desconhecida, por meses até quando suportarem ele.

quarta-feira, julho 06, 2011

Elevador.

Mais impune que seus passos era seus pensamentos, embriagado nela e na ideia da vida sem ela, as noites eram bem dormidas agora as manhãs o atazanavam, já fazia parte de sua nova rotina cogitar como ela estaria, acordava digitava os números sem mesmo olhar, começava a escrever e ai se dava conta de que não podia fazer aquilo, quarta vez naquele mês, a gravidade era cinco vezes mais forte que o normal quando estava para apertar o botão verde, mesmo assim não era mais forte que ele.
Impedimentos nunca foi novidade para ele, vivendo com aquele salário a vida em si era uma liberdade, preso a horários e impedimentos agarrava tudo que podia com uma convicção desumana. Parava e refletia, talvez não gostasse de tanto de tudo assim, talvez não gostasse de ninguém, ela era o mais perto que esse sentimento tinha chego.
Se perdia no elevador, ao mesmo tempo que descia, seus olhos estavam longe, algo não estava certo, o bom daquele lugar era que diferente da maioria não tinha espelhos, podia perder toda a descida dos andares consigo mesmo, raramente parava para a entrada de mais alguém.
Queria poder continuar acreditando nela, fugia de todas e não conseguia se livrar do amor, algo que possivelmente nem existia mais ainda o deixava ali, perto, preso, preocupado, inerte.
A porta abria o frio voltava, o céu nada fazia, o sol nem machucava mais os olhos, cara fechada pela rua, ninguém lhe distribuía os sorrisos de volta mesmo. Quanto mais caminhava pela cidade menos apaixonado ficava por aqui, a infraestrutura própria ficava cada vez mais seletiva, dela boas memórias e um futuro incerto.