sexta-feira, março 26, 2010

Agouro.

E bastava chegar a quarta feira para que agisse daquele jeito, recluso em sua mente, sozinho, longe de tudo que o afetasse. Mas a outros olhos era um de seus dias mais alegres, conversava alto, brincava com todos, planejava programas que efetivamente nunca faria, bebia e brindava a uma saúde impecável a todos. Sentia que dessa forma fazia parte de um grupo socialmente aceito, nem ao menos questionava sua conduta, e até era boa no curto prazo, muito curto prazo, os sorrisos eram passageiros e se esvaiam mais rápido que o metrô da cidade, a cada estação sabia que isso lhe consumia o mesmo tanto que preenchia, nada.
Ao fim da noite, cada um voltava para seu lado, em seu quarto o colchão já continha as formas de suas costas, não que passasse muito tempo ali, mas tinha deixado marcas, há tempos atrás no mesmo lugar, tantas alegrias e frustações ficaram por ali embaixo do edredom, as marcas eram de agora, somente o vazio circunstancialmente pesado.
As companhias não mudavam frequentemente, entre amizades e amores era extremamente complicado entrar em seu círculo afetivo, uma vez dentro a saída tinha que ser extremamente forçada, mesmo assim podia ser chamado de sociável, lidava bem com pessoas, talvez por isso ficasse claro que não confiasse em ninguém.
Ao passar dos anos a experiência lhe trazia péssimos agouros, sentia uma reviravolta de sentimentos, e por mais que tentasse os manter afastados, sua impulsividade aliada ao álcool fazia com que vivenciasse acontecimentos que realmente não desejava, por mais que acreditasse nos objetivos, tinha o maior dos rancores de suas estratégias, ações e sentimentos não seguiam paralelamente. Sabia que desta forma não teria êxito, mas não se abalava, mal sabia o que seria esse êxito, certo ou errado, a única coisa que tinha certeza é de que não podia prever o futuro e que o melhor ninguém sabia, tampouco ela. Lhe restava dormir, dar tempo às saudades.

quarta-feira, março 10, 2010

Oposto.

Olhava sempre aquelas fotos, mantinha o álbum sempre por perto, passava rapidamente olhos pelas mais tocantes, a maioria das vezes estava acompanhado, de amigos, que claro que não faziam idéia de quanto aqueles momentos eram importantes para ele. Os papéis ali por si só não faziam sentidos algum, mas sim aqueles olhos, eles perfuravam o papel fotográfico e vinha de encontro a suas pupilas, de qualquer lado, ângulo, aqueles olhos castanhos, nunca cansados, sempre os olhava, independente de onde estivesse, ela não parava, pelas fotos, ruas, computador, memórias.
Utópico pensar que o que mais o prendia, era o que precisava, e ao mesmo tempo precisava se livrar dela. Não fazia sentido ficar ali atado a essas memórias que lhe livravam do vazio. Claro que este era preenchido com tristeza, não gostava, rompia com seu cotidiano, não sabia o que era mais isso, seguia as vontades dela e assim feria a quase todos ao seu redor, não dava explicações e mesmo vivendo sob o rótulo de mal-humorado.
Repetia exaustivamente à ela, te amo, te amo. Ela sequer escutava, estava longe, não só fisicamente, sua mente pouco pairava sobre ele, mas quando pairava ficava mais tempo que o esperado.
Ele tinha certeza de que ela não sentia mais nada por ele, absolutamente não demonstrava nenhum tipo de apego por ele nem ao por ninguém, não que fosse antipática, mas era impossível demonstrar sentimentos desse nível por qualquer um.
Naquela noite em especial, estavam ligados mesmo que em pensamento grande parte do dia, e se falaram, ela se assemelhava bastante a quem conhecia por ser ela a um tempo atrás, não estava preocupado, sabia que ela era a única para si, e nisso não estava errado, já que tinha tentado com várias outras, e nada era capaz de satisfazê-lo e nem se achava tão critico assim, mas após ver o que era felicidade, não conseguia viver sem ter o melhor pra si, ela.
Mesmo mais próximos, nada havia mudado drasticamente, mesmo ela mais carente a distância se mantinha, com mínimos desdobramentos. Iam embora dali, quando ela se levantou caiu de sua bolsa uma foto, a mesma que ele havia pensado o dia inteiro, a mesma que não saía de sua cabeça. Se ofereceu para pegá-la, e ao fazê-lo se arrependeu de ter que devolvê-la rapidamente, comentou sua saudade referente à foto, ela simplesmente sorriu, e a guardou novamente, lhe deu um beijo na testa e um longo abraço, suas casas ficavam em direções opostas e pra ela rumaram, cada um pro seu próprio vazio.

segunda-feira, março 08, 2010

Fel.

Mais uma noite, mais uma apresentação, mais uma multidão entregue ao delírio, para ele era assim que as noites passavam naquele lugar. Era sim o sonho de muita gente, para ele nada importava muito, mesmo assim dava valor ao que vivia. Músicas, danças, acrobacias e bocejos se uniam de forma tão sublime junto às luzes que embriagavam qualquer um por lá, qualquer um exceto ele.
Ela estava lá naquela noite, não a via a mais de dois anos, e impressionante, continuava não sentindo nada por ela, todos o descreviam como frio, distante e pouco caloroso, e para ele não era um testemunho falso, não gostava de ser assim dia após dia, mas fazia isso com tamanha naturalidade que estava salvo a se sentir mar por tal atos.
Foi ao bar, pediu a mesma cerveja de todas as noites, enquanto o malte esfriava sua garganta ele olhava todas elas ali, alegres, disponíveis, dançantes, ele não se movia, de costas para o bar de frente para todos.
Ela dançava também, nada de especial, cabelos longos e lisos com uma franja que escondia um dos seus olhos azuis. Vestia um vestido justo que deixava o tórax e as coxas torneadas à mostra, e a curva dos quadris encantavam qualquer um ali naquele noite, qualquer um exceto ele.
Mesmo assim não fez nenhum movimento até acabar sua bebida, logo ao fim dela pediu outra, a mesma disse ele com voz forte e um pouco rouca, fazia mais de uma semana que não dormia bem, não sabia dizer se era o calor, o ócio ou qualquer outro fator que estivesse atrapalhando suas horas mais importantes do dia.
Ela continuava lá, não parecia esperar ninguém, talvez não, mas nunca confiava em sua visão míope, nada além de um metro podia ser visto com definição, nunca colocava seus óculos fora de casa.
Foi até ela, lhe disse um oi, e com certa falsidade perguntou de sobre a sua vida, não que quisesse realmente saber, pouco importava, mas achou que era oportuno, ela sorria, agora ela movia menos, mas mesmo assim não parava, olhos continham certo brilho, alguns italianos brindavam o local e deixavam certo romance no ar, tudo era mais fácil, as estruturas do local devido à altura balançavam um pouco, proporcionando um vai-e-vém confortante, quase tão confortante quanto as coxas delas, fazendo pressão frente às suas, confortante porém igual a anos atrás.
Noite após noite, ela retornava e retomavam o que haviam deixado para trás, claro que sem nenhuma perspectiva do amanhã que parecia constante, seu tênis branco já estava sujo, e tinha dias que preferia apreciá-la a distância junto a uma garrafa de cerveja do realmente vivenciar aquilo, não via nisso um problema, sua relação com mulheres se desgastava rapidamente, por mais gentil e interessante que fossem com todas.
Ela não era mais ingênua, tinha perdido todo o ar da inocência, ele se sentia o mesmo, e praticamente era, talvez agora estivesse mais experiente.
Naquela noite, tinha certeza que seria sua última e não colocaria mais os pés ali, o destino dela tampouco fazia diferença para ele, o céu estava diferente, tons azulados cobriam um céu estrelado e com uma lua tanto quando diferente, ela estava insaciável, ele seguia o ritmo da música, e certamente foi a última das noites juntos, porém o que mais fascinou aquela noite, não foi ela, afinal nunca tinha sido ela, mas a lua, aquela noite era outra, disso tinha certeza.