segunda-feira, novembro 09, 2009

Calçada.

Era notável quão desumano conseguia ser. Eventualmente percebia que agia assim, não ligava, se todos o olhavam com maus olhos, que olhem. Sua memória atuava de maneira memorável, acontecimentos inesquecíveis para algumas pessoas se perdiam facilmente em sua cabeça, porém simples acontecimentos diários, detalhes tão simples como tremidas de lábio das pessoas em seu redor nunca lhe saíam da cabeça, essas lembranças ficavam estampadas no seu cotidiano.
Estava sentado em uma manhã de outono, tomava seu café com as mesmas três torradas amanteigadas no mesmo bar de sempre, e achava impressionante como o Seu Luís estava ali dia após dia servindo em seu bar, ficava maravilhado com a constância daquele senhor, já era de idade, e em todos os dias que tinha começado a tomar seu café da manhã ali, ele não parecia ter envelhecido nem um pouco, já ele mesmo tinha as faces corroídas pelo tempo, até entre os fios pretos de virilidade já eram notados alguns novos vizinhos brancos. Não ligava tinha tudo que precisava a seu dispor, seu emprego público lhe provia todo o dinheiro necessário para uma vida fantástica, casa confortável, viagens ao redor do mundo, e o número de mulheres que queria por noite. Nunca teve uma família após abandoar a própria, jamais chegou a ligar ou deixar seu endereço, simplesmente arrumou as malas numa tarde de inverno e deixou a casa. Era mais fácil assim, relacionamento humano lhe deixava mal, e só o fazia quando extremamente necessário. Era de outro país sentiu conveniente deixar o Brasil, em Portugal tudo era mais tranquilo, e sim as pessoas eram menos humanas, controlava tudo de maneira simples aqui, pessoas eram simples e renegavam contestar qualquer tipo de autoridade, e isso ele impunha de forma maestral, tinha quem quisesse a seus pés, só não acontecia isso com ela, e sim, pra ela ele ligava, não era como se agora quisesse constituir uma família ou coisas do tipo não suportava ter a idéia dela o perto o tempo todo, mas quando a via, como queria sentir ela de perto, devora-lá, definia isso como uma tara, como aquelas que você sente quando criança por algum tipo de comida, mas pelo que se lembrava nunca tinha passado por isso. Era assustador, agia de maneira diferenciada perto de sua presença, era sutil, media cada palavra com receio da repercussão de cada uma delas e todo caminho até os ouvidos escondidos por trás dos cabelos louros tanto quanto encaracolados. Percebeu que precisava daquilo e toda sua influência, desumanidade e dinheiro não a trariam pra perto dele, sentia desconforto, estava desnorteado. Todo dia após o expediente voltava ao bar de seu Luís e pedia uma cerveja, era algo horrível para ele, muita gente, muito barulho, mesmo com o desconforto continuava ali dia após dia, ela sempre passava pela porta do bar, sempre antes de ir embora, e ele fazia questão de sentar no mesmo lugar e ficar olhando para a calçada, a maioria dos dias ela nem notava, até que um dia, por algum motivo desconhecido ela se virou e entrou no bar, se sentou de seu lado, disse um oi rápido e pediu uma dose de conhaque, a virou no momento que a mesma chegou, virou pro lado e disse, mais duas e um ameaçador me acompanha?

Um comentário:

Yellow disse...

belo texto, não imaginava que o final seria esse, gostei :*