sexta-feira, outubro 23, 2009

Endometriose.

    “E, por ouvi-la incessantemente, não a escutam. Não há necessidade de ouvi-la.”
Partiu desta premissa no momento em que parou de ler seu livro, seu sonho de criança e a realidade na qual estava instalado eram inversamente diferentes. Mesmo assim, não desistia, o que procurava agora ao invés de mundos distantes, vilões de revistas em quadrinhos e ao mais tardar garotas, o que ele queria agora era algo nunca antes visto, era essa sua única meta.
    Premissas são interessantes, no seu caminho de saída parou na cozinha e tomou meio copo de água, o virou e deixou pela borda da pia. Pegou suas chaves e deixou o seu mundo só com as vestes do corpo, alguns trocados e um certo brilho nos olhos. O mundo lhe tachava de coitado sempre o zombou do minuto em que nasceu até hoje, não deixava que isso lhe tirasse o sorriso de sua face,  o leilão que era feito com suas emoções por cada um que conhecia não afetava, de verdade, diziam três, e ele sempre optava pelo dois, e nessa levada as horas, dias, anos passavam, já tinham ido trinta e cinco, era justo e ao mesmo tempo firme, o tempo sempre se despede antes do esperado e nem sempre tão caloroso. Chegando ao térreo, saiu de sua morada, foi diretamente à banca de jornal, não comprou nada além de um cartão postal, não tirava fotos, sempre teve na vida prazer de ter que voltar aos lugares pra ver as coisas novamente,  mas dessa vez teria que ser diferente, sabia que voltar aquela cidade seria complicado demais, e não arriscaria ficar sem uma recordação, por mais sutil que fosse, virou o postal e logo escreveu a data ali mesmo com uma caneta que estava ali a deriva. Seguiu caminhando, nunca teve um carro, ora por falta de dinheiro ora por falta de vontade, mas sempre andava com sua habilitação na carteira. Andou até chegar no Banco Federal, passou pela porta giratória de vidro, abriu a blusa, mostrando explosivos e gritou em alto e bom som:
    -Todos ao chão, não quero explodir ninguém hoje.” Ele tinha dom para certas coisas, um homem tão calmo, não se deixava influenciar pela tensão em volta no ar, e por toda essa calma, pode-se afirmar que ele foi uma das únicas pessoas no mundo capazes de assaltar um banco e sair de lá da mesma maneira que entrou, caminhando, tinha tanta confiança em si que achou melhor desta maneira, continuou em linha reta dali até a rodoviária, como esperado ninguém o seguiu e não teve problemas em comprar sua passagem, iria para longe não por medo, tinha que fazer aquilo, não a via faziam nove anos, e continuaria sem esse certo prazer.
    Tinha subido em sua carreira de forma assombrosa e de forma estranha a outros olhos, tinha uma ideias inovadoras em gestão e com isso adquiriu influência suficiente para fazer quase tudo que bem entendesse, mas nunca saía de seu peito certa carência de algo, algo que mesmo influente e admirado não conseguia, e partindo do ponto que não sabia ao certo o que proporcionava tal falta de ar, entrou num mundo onde não há volta, parou de se policiar e deixou que a ganância tomasse conta de si, colocou sim o dinheiro frente a tudo, inclusive pessoas, claramente que seu em seu mundo agora tinha se tornado único exclusivamente próprio seu já que todos que o habitavam tinham tomado agora certa distância, os poucos que ainda como continuavam perto dele, como ela, mesmo não sacrificando tudo por ela e aquele sorriso que ele quase gostava mais que o poder proporcionado sabia que este era o que fazia se sentir ótimo. Claro que ninguém atingia tanto dinheiro de forma justa, o chamavam de corrupto, logo aos vinte anos seu apartamento era clássico como de pessoas em crise de meia idade, e por dentro se sentia velho também, e que tinha toda a experiência necessária para conduzir todas as variáveis ao seu redor. Estava errado, tinha sido demitido de seu cargo por justa causa meses depois dela ter se demitido do cargo de sua acompanhante, nada fora do especial, conduziu tudo com sobriedade.
    O ônibus saia as nove horas, tinha quinze minutos, adentrou e foi até o fundo, colocou a maleta com dinheiro no compartilhamento superior, e se sentou, a vista da rodoviária era sempre a mesma quando deixava um lugar, uma certa tristeza atrelada a nova emoções. Porém hoje sentiu algo em sua barriga, por um momento sentiu certa diferença na barriga, como se algo estivesse lá, riu quando pensou na idéia de que pudesse ser um filho, e a partir dai sentiu medo. Não se lembrava deste sentimento, o sofrimento causado por tal sentimento era pior que nadar em um mar infestado de navalhas. Se realmente fosse um filho o que sairia de lá, pelo cordão umbilical alimentaria algo não humano, aquela criança não seria nem de longe como as outras, realmente tinha dias que se perguntava, como podia ser tão frio e diferente de outros humanos, simbólicamente não tinha ídolos, modelos a ser seguidos, como poderia ser alguém assim, como todo pai é para com os filhos, ele mesmo pouco se lembra de seu pai, tinha sim se criado sozinho, aos sete começou a trabalhar e com sua força de vontade e seriedade abandonou sua casa assim que pode, e a família nunca lhe fez falta, nunca se falavam mesmo, suas memórias caseiras eram sempre sua mãe ao telefone com certas intenções estranhas e que talvez fossem as repostas por seus desaparecimentos diurnos, e de seu pai, sempre chegava cansado do trabalho como metalúrgico abria uma ou duas cervejas dormia frente a televisão por meia hora e depois ia para o quarto. Isso fez com que nada para ele fosse importante, teve sempre a noção que seu mundo era o que ele fazia com isso, se livrar do ócio e cada momento ser único e mais tardar valioso. Mas tinha certeza também que tudo que lhe davam suas características não eram valiosas aos olhos da massa, ganancioso, corrupto e orgulhoso, a partir dai só teve uma certeza em vida, seu filho seria um César Bórgia.

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